sexta-feira, 30 de abril de 2010

O intercâmbio entre as Regiões Africanas no Período Pré-colonial

Neste texto, um estudo abrangente sobre as relações culturais e comercias que envolviam as diversas regiões da África antes da chegada dos europeus.




Entre 1100 e 1500, a África foi um parceiro privilegiado nas relações intercontinentais do Velho Mundo. Tanto através do Mediterrâneo como através do oceano Indico, um comércio intenso, mais freqüentemente intermediado pelos muçulmanos, ligava a Europa e a Ásia ao continente africano. Deve-se enfatizar que vários tipos de comércio organizado no interior da África já existiam desde a pré-história. Como veremos neste capítulo, as pesquisas pouco a pouco vão fornecendo informações cada vez mais precisas, em particular no que diz respeito à amplitude dos intercâmbios entre regiões do continente africano. No entanto no atual estágio de nossos conhecimentos não é possível ainda tratar de maneira exaustiva as relações entre as várias regiões da África do século XII ao XVI..
Parece que no plano econômico e comercial a África estava em plena expansão nos séculos XIV e XV; mas os contatos com o Ocidente abertos pelo tráfico de escravos significaram a interrupção de um impulso vigoroso, que teria mudado o curso da história da África, caso o comércio se tivesse desenvolvido com mercadorias de fato. Grandes correntes de intercâmbios culturais atravessaram o continente em todas as direções, confundindo-se por vezes com as correntes de comércio. Não havia mais regiões isoladas, pois nem florestas nem desertos constituíam barreiras intransponíveis. Hoje, as escavações arqueológicas, o estudo das línguas africanas e das tradições orais abrem novas perspectivas para a pesquisa histórica e já começam a esclarecer o problema das migrações, da transferência de tecnologia e das relações entre regiões bastante afastadas.

O papel do Islã, tanto na difusão de idéias como no comércio, foi de extrema importância à época, como ilustram as viagens de Ibn Battüta para a China e pela África oriental e ocidental. Nossos conhecimentos sobre as populações no período que ora tratamos muito devem aos trabalhos dos geógrafos, viajantes e historiadores muçulmanos.

O Saara e o Sahel: um espaço privilegiado para a pesquisa no estudo das relações exteriores.
Em meados deste século, historiadores europeus tentaram explicar o atual atraso tecnológico da África pela existência do Saara, que, segundo diziam, teria isolado a África negra do mundo mediterrâneo. Na realidade, mesmo quando se tomou desértico, o Saara nunca constituiu uma barreira. Afinal, não era desabitado. Era a terra dos nômades, que mantinham contatos estreitos com os povos sedentários do norte e do sul. Entre 1100 e 1500, o Saara serviu como zona de passagem privilegiada, e pode-se dizer que esse período correspondeu à idade de ouro do comércio transaariano. A partir do século X, o comércio de ouro da África ocidental com a África setentrional desenvolveu-se com regularidade. O Saara foi comparado, com procedência, com o mar: o Sahel sudanês e as fronteiras meridionais da África setentrional seriam seu litoral. No sul, Tichit, Walata, Tombuctu, Tirekka e Gao eram os terminais mais importantes das caravanas de Tamdult, Sidjilmasa, Tlemcen, Wargla e Ghadames. Só o dromedário se prestava para a travessia do deserto, que levava dois meses, senão três. Isso explica a importância das grandes pastagens ao norte e ao sul do Saara, reservadas à alimentação e à criação de dromedários, e também as disputas, às vezes violentas, entre os nômades pelo controle desses pastos.
Tanto ao norte como ao sul, o comércio transaariano estendeu-se bem além dos "portos" mencionados; o Tuat e o Ghura, o Djarld tunisiano e os oásis líbios foram tão importantes para o comércio transaariano quanto os próprios "portos". Do Sahel à savana florestal, as vias terrestres e fluviais completavam o sistema transa ariano. Certamente é este o caso da atual República do Senegal, sendo bem conhecido o sistema constituído pela bacia superior do Níger 1. As mais recentes pesquisas realizadas em Burkina Fasso (ex-Alto Volta) e nas Repúblicas de Gana e da Nigéria sugerem que se desenvolveram relações comerciais entre a África ao sul do Saara e o Magreb. A área em questão situa-se na savana, e há muitas evidências arqueológicas de que era bem freqüentada, No norte da atual República Federal da Nigéria, essa corrente de circulação certamente encontrava a que vinha da atual República do Chade, de que trataremos mais tarde.
Os nômades, senhores do deserto, foram muito beneficiados pelo comércio transaariano, pois as caravanas levavam-lhes cereais e tecidos em troca de carne, sal e água. Assim, os nômades e os povos sedentários complementavam-se. As caravanas necessitavam de guias na imensidão do Saara; estes lhes eram fornecidos pelos nômades, que conheciam as rotas e eram pagos a preço de ouro. A travessia do Saara tinha que ser preparada minuciosamente; os camelos eram alimentados durante várias semanas. Para chegar ao Sudão, Ibn Battüta foi a Sidjilmasa, ponto de encontro dos que partiam do Marrocos para o sul, e anotou: "Nesta cidade comprei camelos, que alimentei com forragem durante quatro meses". A caravana era liderada por um chefe, que a todos comandava como um capitão de navio. Começada a viagem, ninguém deveria atrasar-se ou avançar muito rapidamente, nem se afastar do grupo, pois podia se perder no imenso deserto.
Os nômades, como os Messufa, especializados no comércio transaariano, forneciam guias e mensageiros para as caravanas. Sigamos a caravana de Ibn Battüta para Niani (Mali), capital do império dos mansa. Após 25 dias de viagem, a caravana chegou a Teghazza, importante salma do Saara; homens e animais descansaram até recobrar fôlego. Depois de dez dias a caravana partiu em direção a Walata. Dez dias antes da chegada, os caravaneiros enviaram um mensageiro à cidade. Este levava cartas a correspondentes "que lhes alugariam casas e viriam encontrá-los com uma provisão de água quando faltassem quatro dias de viagem". O mensageiro era muito bem pago: 100 mithkãl, segundo Ibn Battuta. A caravana estaria perdida se o mensageiro não conseguisse chegar a Walata; mas isso raramente acontecia, pois os Messufa conheciam bem o deserto. Em 1964, Theodore Monod descobriu grande quantidade de cauris, barras de cobre e restos de tecido enterrados na areia, na Mauritânia; pode tratar-se de mercadorias de uma caravana que "naufragou" no deserto.
Ibn Battüta chegou a Walata, a primeira cidade do Mali, depois de dois meses de viagem. Ali morava um governador representante do imperador do Mali, e a caravana teve de preencher algumas formalidades alfandegárias. Walata também era um centro comercial onde mercadores negro-africanos se encontravam com mercadores árabo-berberes. Isso explicaria a longa estada de Ibn Battuta na cidade - cerca de 51 dias. De Walata, após 24 dias, o viajante alcançou "Malli" (Niani), capital dos mansa. As estradas eram seguras; nos limites do império, era possível viajar sozinho sem temer ladrões ou bandidos. Os viajantes das estradas do Velho Mundo apreciavam muitíssimo essa segurança. Enquanto no Sudão imperou um poder forte, os nômades contentaram-se em tirar proveito dos serviços que podiam prestar às caravanas. Quando o poder se enfraqueceu, provocando a ruína das cidades, eles deixaram o deserto e passaram a rondá-las.

O comércio do ouro

No século X, o rei de Gana era, segundo Ibn Hawkal, "o soberano mais rico da terra [. . .] possui grande riqueza e reservas de ouro, que tem sido extraído desde tempos remotos em proveito dos reis que o antecederam e em seu próprio benefício".
No Sudão, acumular ouro era uma antiga tradição, ao passo que em Gana o rei tinha o monopólio sobre as pepitas encontradas nas minas: "Quando são descobertas pepitas de ouro nas minas do país, o rei reserva-as para si, deixando o pó de ouro para seus súditos. Se não fizesse isso, o ouro seria abundante e se depreciaria [...] Diz-se que o rei possui uma pepita do tamanho de uma grande pedra".
No entanto os sudaneses sempre mantiveram os muçulmanos na mais completa ignorância quanto à localização das. minas de ouro e à forma de explorá-lo. O mansa Musã I, sem mentir e fornecendo várias explicações, inclusive sobre a exploração das minas, não deu maiores esclarecimentos aos habitantes do Cairo que lhe fizeram perguntas sobre seu fabuloso império. Isso explicaria como o rei do Mali manteve sua reputação de riqueza extraordinária. Pouco mais de uma geração após sua peregrinação, o mansa apareceu segurando na mão sua pepita de ouro no famoso atlas de Maiorca feito para Carlos V da França. Os maiorquinos só poderiam ter sabido dessa história pelos muçulmanos. Hoje está praticamente estabelecido que, além das conhecidas jazidas de Galam, Burem e Bambuku, o ouro das regiões pré-florestais e florestais - atuais Repúblicas da Costa do Marfim, de Gana e da Nigéria - alimentava o comércio setentrional daquela época. É sabido que o comércio de ouro do Mali foi muito importante na Idade Média, mas seria arriscado adiantar estimativas sobre a quantidade do metal exportada. A generosidade dos mansa leva à suposição de que o montante de ouro acumulado era considerável. No Sudão, o ouro era tido como "sagrado", ou, ao menos, dotado de poder misterioso. No pensamento tradicional, apenas o rei podia dominar o "espírito" do ouro. A mesma concepção prevalecia nas regiões florestais do sul, onde as chefarias possuíam muito ouro.

O sal e outras mercadorias

O sal teve um papel preponderante no comércio transaariano, bem como no de outras regiões africanas. Muitos dirigentes da África ocidental constantemente tentaram abaixar seu preço. Oficiais alfandegários controlavam rigorosamente as exportações e importações de sal. As minas de Teghazza supriam os mercados do Sudão ocidental; as regiões do rio Senegal obtinham sal-gema em Awlil, mas a distribuição desse sal dificilmente ultrapassava o interior da curva do Níger.
Grande parte da renda da coroa provinha da taxação do sal, e isso se manteve no século XIV. Ibn Battiita, que visitou Teghazza, nos dá informações precisas: "Os sudaneses vêm até aqui [Teghazza] para se abastecer de sal. O carregamento vem de Iwalatan (Walata) ao preço de 8 a 10 mithkal e é vendido na cidade de Malli [Niani] por 20 ou 30 e às vezes até 40 mithkal”.
O sal servia de moeda comercial para os sudaneses, assim como o ouro e a prata. Cortavam-no em pedaços para negociá-lo. Apesar de o burgo de Teghazza ser de pouca importância, ali se comercializava grande quantidade de pó de ouro.
O sal era muito caro no Sudão. O preço era quatro vezes maior em Niani e Walata; provavelmente os povos da floresta pagavam-no ainda mais caro. O sal-gema cortado em pedaços pequenos servia de brinde ou dinheiro miúdo para os comerciantes itinerantes. Da mesma forma, as nozes-de-cola provenientes da floresta serviam de moeda nos mercados das aldeias. Começa a parecer provável que os povos da floresta obtivessem sal por outros meios, como, por exemplo, pela queima de plantas salíferas. O sal também vinha da costa, embora em pequena quantidade.
"Falta sal no interior do Sudão; alguns indivíduos trazem-no em segredo, e as pessoas trocam-no por um monte equivalente de ouro".
Essa informação do autor árabe não é destituída de fundamento, apesar de parcialmente exagerada; é fácil imaginar os Wangara ou os Haussa negociando com seus clientes nas áreas da floresta onde iam comprar nozes-de-cola, ouro e escravos.
O cobre também era artigo importante no comércio da África ocidental e de outras partes do continente. Pesquisas de anos recentes começam a revelar as formas mais antigas do comércio do cobre na África ocidental.
A possessão de uma mina de cobre no século XIV ainda tinha grande significado econômico, fato que foi demonstrado na "entrevista" do mansa do Mali ao povo do Cairo, quando ele disse: "Na cidade de Tigida [Takedda], há uma mina de cobre vermelho, que é exportado em barras para a cidade de Niani, constituindo uma fonte especial e inigualável de renda. Na verdade, mandamos esse cobre ao Sudão pagão, onde o vendemos à razão de 1 mithkal de ouro por dois terços do seu peso em ouro".
Trata-se de uma precisão extrema. O mithkal sudanês pesa aproximadamente 4,25 g. Se o cobre era vendido por quase seu peso em ouro, o Mali deve ter-se beneficiado de um comércio particularmente lucrativo com as "populações da floresta", a que o mansa se refere quando fala no "Sudão pagão".
O relato de viagem de Ibn Battüta, que passou muitos meses em Niani, dá a impressão de que as cidades d,o Sahel e do Saara eram organizadas para servir ao mesmo tempo de pontos de parada e de centros comerciais. É o caso de Teghazza e de Takedda ("Tigida"), principais centros comerciais do cobre.
O grande viajante informa-nos que o cobre era moldado em barras grossas ou finas. As primeiras eram vendidas ao preço de 1 mithkãl de ouro por 400 barras, e as segundas ao preço de 1 mithkãl por 600 ou 700 barras. As barras de cobre eram utilizadas na região como moeda para a aquisição de madeira, carne, sorgo, manteiga e trigo. Ibn Battuta também diz que o povo de Takedda não tinha "outra ocupação além do comércio". Essa gente todo ano viajava para o Egito, de onde importava todos os tipos de finos tecidos e outros artigos. Os habitantes de Takedda eram prósperos e gozavam uma vida abastada, tendo grande número de escravos de ambos os sexos. As escravas instruídas só raramente eram vendidas, e por um preço alto. Ibn Battüta teve dificuldades para comprar uma, já que os que as possuíam recusavam-se a vendê-las. Conta que um habitante que concordou em vender-lhe uma delas arrependeu-se tanto que quase "morreu com o coração partido". Infelizmente não nos relata em que consistia a educação dessas mulheres escravas, tão requisitadas. E muito provável que fossem procuradas por seus talentos culinários ou por sua grande beleza.
De Takedda, Ibn Battüta partiu para Tuat numa grande caravana, com cerca de 600 mulheres escravas. Esse é um dado muito revelador, pois nos informa quantos escravos uma caravana podia transferir do Sudão para o Magreb, e também que o objetivo do tráfico de escravos era fornecer empregados domésticos, às vezes bem especializados em algumas atividades, para a aristocracia árabo-berbere. Os soberanos sudaneses também importavam escravos, sobretudo do Cairo, para formar sua guarda pessoal. Quando o mansa sentava no trono em praça pública, "atrás dele postam-se cerca de 30 mercenários [mamelucos] turcos ou não, comprados para ele no Cairo. Um deles segura um guarda-sol de seda encimado por uma cúpula e um pássaro dourado representando um gavião".
Para os soberanos e a aristocracia, o que contava era ter uma comitiva bem dotada e leal.
Alguns autores tentaram atribuir importância injustificada à exportação de escravos para os países árabes. No período ora estudado, esse comércio não constituía uma hemorragia, pois o que mais interessava aos árabes no Sudão era o ouro, cuja .necessidade para cunhagem se fazia urgente ao redor do Mediterrâneo. Raymond Mauny arriscou uma estimativa do número de escravos negros exportados para o norte da ordem de 20 mil por ano, ou
2 milhões por século. Os árabo-berberes não tinham tanta necessidade de mão-de-obra para uma demanda tão grande. E importante lembrar o famoso tratado, referido como o bakt, assinado pelos dirigentes do Egito e pelos reis da Núbia. Estipulava ele que o rei da Núbia deveria mandar 442 escravos anualmente para o Cairo, assim distribuídos: 365 para o tesouro público, 40 para o governador do Cairo, 20 para seu delegado em Aswan (Assuã), 5 para o juiz de Aswan e 12 para os 12 notários da cidade. O tributo exigido pelo sultão do Cairo prova que as necessidades da corte não eram enormes.
O tráfico transaariano de escravos, se foi permanente do século VIII ao XVI, nunca ultrapassou certo limite. Para alimentar esse comércio, os soberanos guerreavam com o sul, preferindo poupar as reservas disponíveis em seus Estados.

Os árabo-berberes não só procuravam ouro, como também marfim. As presas de elefantes africanos eram muito valorizadas na Arábia e na Índia por serem mais moles e, portanto, mais fáceis de esculpir do que as dos elefantes da Ásia, extremamente duras. O Sudão também vendia peles, ônix, couro e cereais para os oásis do Saara. No século XIV, quando do apogeu do Mali, a rota mais freqüentada era a que foi utilizada por Ibn Battüta; uma outra rota, bastante usada pelos peregrinos do Mali, ia de Tombuctu a Kayrawãn (Kairuan), passando por Wargla.
Nas cidades do Magreb, bem como em Ghadames e no Egito, havia dinastias de comerciantes ricos, verdadeiros "armadores", que carregavam as caravanas transaarianas. Um exemplo notável é o dos irmãos al-Makkari, de Tlemcen, que elaboraram criteriosa divisão de trabalho: dois deles ficavam em Tlemcen, um em Sidjilmasa e dois outros no Sudão, tendo conseguido criar uma vasta rede comercial sob a proteção dos mansa do Mali.
"O de Tlemcen despachava a seu irmão saariano as mercadorias por ele requisitadas, e o saariano lhe enviava peles, marfim, nozes-de-cola e ouro em pó. O de Sidjilmasa, como a agulha de uma balança, informava-lhes as tendências de subidas e quedas dos preços e escrevia-lhes sobre a situação dos vários comerciantes e sobre os acontecimentos locais. E assim crescia sua riqueza, e sua situação melhorava consideravelmente".
Os irmãos al-Makkcari constituíam, assim, verdadeira corporação em Tlemcen, com filiais em Sidjilmasa e Walata, e com rede de informação e intermediários próprios. Provavelmente os mercadores manden (mandingo) e haussa organizavam seus negócios e casas de comércio da mesma forma, em suas relações com os centros comerciais da savana e da floresta. É bem provável que o papel das comunidades judaicas nesse comércio tenha sido muito importante. A pesquisa de T. Lewicki revelou a participação dos judeus de Tuat já desde os séculos VIII e IX. Deve-se acreditar no Ta'rik al-fattash quando menciona fazendeiros judeus na região de Tendirma, no Níger? Em todo caso, há muitas referências a judeus: no início do século XVI, o português Valentim Fernandes fala dos "judeus" ricos, mas oprimidos, de Walata.

No século XV, com a ofensiva da Reconquista, os cristãos estabeleceram-se no Magreb. Muitos comerciantes italianos foram atraídos para o Sudão, pois sua riqueza em ouro tornara-se lendária. Benedetto Dei, viajante e escrivão florentino, afirma ter errado pela região até Tombuctu entre 1469 e 147022. O genovês Antonio Malfante é conhecido pela famosa carta que enviou do Tuat a sua casa comercial em Gênova. Malfante visitou o Tuat e recolheu valiosas informações sobre o Sudão nigeriano e sobre o Tuat enquanto encruzilhada de comércio. Mas o contato direto entre a Europa e o Sudão deu-se pelo Atlântico, no século XV, com os navegadores portugueses.
Ibn Kaldün nos informa que havia caravanas de 12 mil camelos indo do Sudão ao Egito 24. A travessia do Saara em linha reta era difícil devido às tempestades de areia na diagonal Níger-Nilo; assim, era raro as caravanas irem diretamente para o Egito. Nas rotas normais do Níger ao Magreb, as caravanas tinham em média mil camelos.

A difusão de idéias e técnicas

Como resultado do comércio transaariano, muitos árabo-berberes se estabeleceram nas cidades do Sudão - Walata, Niani, Tombuctu e Gao, entre outras 25; a maioria dessas cidades tinha um bairro árabe. Os casamentos criavam laços de parentesco que os genealogistas sudaneses adoram deslindar. Os historiadores ainda discutem se foi pelo contato com os árabo-berberes que se introduziu a filiação patrilinear no Sudão. Na época do Império de Gana, a sucessão ao trono não era por linha direta, mas colateral; o herdeiro era sempre o sobrinho do rei (o filho de sua irmã). Foi difícil para o Mali do século XV aceitar a sucessão direta (de pai para filho) 26. A influência muçulmana não foi um fator decisivo nesse caso em particular. Se examinarmos as regiões florestais do sul, vamos encontrar dois tipos de descendência, e é difícil falar de influência islâmica no Congo a essa época.
A islamização da África negra nesse período não se deu pela violência, mas pacificamente, pela influência dos comerciantes árabo-berberes, os Wangara e os Haussa. Além do episódio belicoso dos Almorávidas, houve poucas guerras com o objetivo de propagar o islamismo. A nova religião levava em conta as antigas práticas das sociedades tradicionais; mas Ibn Battuüta admirou a devoção dos muçulmanos negros, sua assiduidade às orações e sua fidelidade ao culto coletivo, obrigando mesmo seus filhos a seguirem seu exemplo. Os Wangara, sempre indo de aldeia em aldeia, construíram mesquitas em vários centros comerciais, como marcos ao longo das rotas das nozes-de-cola. Em virtude da tolerância tradicional dos negros, podiam orar até nas aldeias pagãs.
Na cidade, o árabe tornou-se a língua dos letrados e cortesãos; segundo al-'Umari, o mansa Müsã I falava corretamente o árabe; este governante pode ser considerado o responsável pela introdução da cultura muçulmana no Mali.
Nasceu uma literatura africana de expressão árabe, que floresceu na curva do Níger, principalmente no século XVI, sob os askiyas. Do século XIV ao XVI, houve intercâmbios constantes entre as Universidades do Sudão e do Magreb. No século XIV, porém, o Cairo foi o grande centro de atração para os sudaneses; situado na rota de peregrinação, tinha muitos habitantes negros.
Os soberanos do Sudão rodeavam-se de juristas e conselheiros árabes, que, em sua maioria, seguiam o culto maliquita. No entanto, no século XIV, Ibn Battüta menciona a existência de caridjitas brancos entre os Diafununke do Mali.
O papel cultural e econômico dos muçulmanos foi mais notável no sul do Saara. Ao voltar de sua peregrinação, o mansa Müsã I trouxe em sua comitiva escritores e um arquiteto que empregou para construir a famosa sala de audiência, onde Ibn Battüta foi recebido em 1353 pelo mansa Solimão, irmão e sucessor de Musã I.

As relações entre o Chade e o Mediterrâneo

Ao estudar as relações entre a África ao sul do Saara e o Mediterrâneo, os historiadores concentraram-se particularmente no Sudão ocidental, devido às numerosas fontes naquela parte do continente. Muitos viajantes árabes, entre os quais Ibn Hawkal e Ibn Battüta, foram ao Sudão pelas rotas ocidentais. No entanto o Sudão central e os países da bacia do lago Chade também estabeleceram relações ativas com o Magreb, a Líbia e o Egito. Durante o período que estudamos, nessa região encontravam-se grandes conglomerados políticos, como o reino do Kanem-Bornu, enquanto as cidades haussa conduziam um comércio florescente entre o lago Chade e o Níger.
No século XIV, o reino do Kanem estendia-se de Fezzãn, ao norte, a Wadai, a leste. A política dos soberanos do Kanem era de abertura para o norte, a cujos reis enviavam embaixadas com ricos presentes. Havia muitas rotas importantes do Chade para o norte. A primeira era a do Kanem para o Egito; ia do lago Chade ao Fezzãn, após cruzar Kawãr e suas minas de sal; depois de Zawila, no Fezzãn, a rota cruzava os oásis líbios (sokna) e alcançava o Cairo margeando a costa. A segunda rota, procedente do lago, passava por Bilma, indo para leste através do Tibesti, onde se exploravam pedras preciosas no século XV, para alcançar Aswan e finalmente o Cairo. A terceira rota saía do Kanem para Ghãt e Ghadames; dali, um ramo ia para Túnis e outro para Trípoli. Essas rotas eram tão freqüentadas quanto as ocidentais. Foram mais movimentadas nos séculos XV e XVI com a ascensão das cidades haussa e do Bornu, mas, quando grupos árabes se estabeleceram no Darfur para iniciar o tráfico de escravos, as relações comerciais deterioraram-se.
Nas regiões entre o Níger e o lago Chade e nos arredores do lago, os principais itens de exportação eram o couro, os escravos e as presas de elefante. Os Haussa foram os animadores do comércio no Sudão central, onde atuavam como intermediários entre a savana e a floresta, como os Manden (Mandingo) no oeste. É bem possível que os Haussa muito cedo tenham estabelecido relações comerciais com os reinos e cidades do delta do Níger: Oyo, Ife, Benin e até Igbo-ikwu; cada vez mais pesquisadores acreditam que grande parte do cobre usado tanto em Ife como em Igbo-ikwu vinha do Sahel (Takedda). Thurstan Shaw, que conduziu as primeiras escavações em Igbo-ikwu, levanta a hipótese de um comércio intenso entre o delta e a savana. Em todo caso, os Haussa estavam envolvidos no comércio de longa distância nessas regiões. Zaria, a cidade mais meridional, era a cabeça-de-ponte em direção às regiões florestais.

A savana e a floresta

Até há pouco tempo, a floresta era considerada meio hostil para todas as formas de estabelecimento humano; particularmente densa, a floresta equatorial era descrita como uma barreira semelhante ao Saara, senão mais hostil. Agora se sabe que a floresta não deteve nem os povos em migração nem as técnicas e idéias.

África ocidental

Os geógrafos árabes, inclusive Ibn Sa'id e Ibn Khaldün, achavam que o deserto começava ao sul da savana. Os povos da savana, que poderiam ter esclarecido os árabes, preferiram calar-se sobre a região que fornecia grande quantidade do ouro negociado nas cidades sudanesas; entretanto o mansa Müsã I deixou bem claro no Cairo que tinha grandes lucros com o cobre que explorava. O cobre do Mali era trocado nas regiões florestais por ouro, marfim, nozes-de-cola e também escravos. Esse comércio entre os impérios .do Sudão e a floresta meridional começa a ser objeto de sérios estudos. Rotas comerciais atravessavam a floresta em todas as direções; torna-se cada vez mais claro pelas pesquisas arqueológicas, lingüísticas e antropológicas que, no passado, a savana e a floresta complementavam-se. Os povos da floresta designam os Manden (Mandingo) como lula (Costa do Marfim) ou Wangara (Gana), os dois termos significando "comerciante". As rotas de nozes-de-cola eram salpicadas de cidades, ,habitadas parcial ou totalmente por lula ou Haussa. É muito provável.que os Mandingo já tivessem estabelecido contato com os povos da floresta antes do século XIV. Os reinos de Kongo e de Begho, localizados na savana arborizada, eram postos avançados dos mercados de nozes-de-cola e de ouro das regiões florestais. A floresta é descontínua ao redor do golfo da Guiné; nas Repúblicas de Gana e da Nigéria. Amplas clareiras se abrem em toda a sua extensão, do norte ao oceano Atlântico. Nessas áreas, os contatos com o Sudão eram mais fáceis e mais constantes. Os comerciantes wangara e haussa tinham alcançado, já nessa época, o território ashanti e também o yoruba, passando pelo Bono Manso.
Nesse caso também, não nos é possível precisar a quantidade de mercadorias vindas da savana, nem o quanto era mandado das regiões florestais ao Sudão. No entanto, até recentemente, os Mandingo e os Haussa costumavam vender contas, sal, âmbar, bacias de cobre e peixe defumado ou seco de Djenné e Mopti nas feiras das aldeias florestais. A floresta da África ocidental não é densa, podendo ser facilmente penetrada; os Wangara percorriam-na em suas caravanas de jumentos. Mas era mais freqüente o estabelecimento dos Wangara e Haussa em grandes aldeias nas bordas da floresta; havia outros povos, intermediários entre eles e o extremo sul, que tinham o monopólio do comércio de nozes-de-cola.
As nozes-de-cola tinham importante papel, que mantêm ainda hoje, na vida social do oeste africano. São encontradas até no Congo, como observou F. Pigafetta 36. Seu comércio envolvia vários grupos étnicos. Apesar de ainda não conhecermos o mecanismo dessa atividade, a descrição de Zunon Gnobo é bastante sugestiva; relata que a zona das nozes-de-cola era dividida em setores de acordo com a qualidade da fruta.
"Ao norte, a savana arborizada, pobre em cola; ao sul, os setores de Gbalo, Bogube, Yokolo, Nekedi, Ndri, que se destacavam pela qualidade de sua cola. Era o ponto de convergência dos circuitos norte-sul e dos do interior do Bete. O anteparo guro impedia relações comerciais diretas entre os lula e os Zebuo. Estes comerciantes malinke só podiam alcançar os mercados guro, onde se abasteciam com a cola do sul. Os fornecedores guro desciam para encontrar as mulheres zebuo, que colhiam a cola nas áreas das etnias bete e guro do sul".
De todo modo, estamos diante de um comércio muito antigo entre a savana e a floresta; os Mandingo estavam mais interessados no ouro do que nas nozes-de-cola; foi a procura desse artigo que os levou a criar pontos de parada na savana arborizada, que mais tarde se tornaram grandes centros comerciais. O ouro era abundante nas regiões meridionais; as pesquisas aos poucos nos permitem descobrir os circuitos do ouro dessas regiões.
A floresta, portanto, não constituiu barreira, mas atuou como filtro das correntes econômicas, idéias e técnicas. Nota-se também, pelo estudo das tradições orais, que muitos povos da floresta eram originários da savana; as correntes de comércio têm Antigüidade remota. Deve-se observar que muitos povos da savana reconheciam a superioridade, senão a profundidade, do conhecimento das populações florestais no campo da farmacopéia e no da arte esotérica da linguagem dos tambores.
A parte setentrional da floresta tropical sofreu constantes invasões de agricultores; recuou também em muitas frentes nas Repúblicas da Guiné, da Costa do Marfim, da Libéria e de Gana. Na República Federal da Nigéria, as principais rotas de comunicação iam de Nupe ao delta, onde, em várias localidades em que a população procedeu a desmatamentos, abrindo clareiras, floresceram e cresceram as cidades yoruba.

A África oriental e central

Ainda hoje numerosas questões se colocam para as pesquisas. Pergunta..se, por exemplo, como eram coletados os produtos exportados das regiões litorâneas ao mundo muçulmano e à Ásia, que tipo de organização existiu nesses séculos para o comércio de marfim ou de pelas de animais selvagens, cuja importância nos períodos mais remotos e nos mais recentes conhecemos, mas dele pouco sabemos (no que diz respeito ao período aqui estudado. Havia redes de transporte regulares para tais produtos? Por quais intermediários passavam? Que artigos iam, em troca, da costa oriental para o interior do continente? Sendo possível estabelecer comparações com a África ocidental, onde há evidência dessas importações, pode-se perguntar que parte das importações de tecidos realizadas pelos centros comerciais costeiros era redistribuída no interior.
Seria útil saber a quantidade de cauris desembarcada anualmente na costa e sua destinação. Até agora, fora do Zimbábue, poucos traços foram encontrados dos artigos de luxo que chegavam aos portos do oceano índico. Isso significaria que nada era vendido ou dado aos povos do interior, o que as pesquisas ainda não nos permitiram encontrar tais evidências?
Pelo menos, podem-se distinguir nitidamente algumas correntes comerciais pelo interior, da Etiópia ao Zambeze. Um exemplo é o do comércio do sal. Vimos acima a importância dos vários tipos. de sal no comércio transaariano. Todos os tipos de produção, de Idjil a Bilma, de Taudeni ao Air, competiam para suprir a África de sal. Além desses exemplos bem conhecidos, já estudados, quantos pontos de exploração do sal, pela coleta de eflorescências superficiais ou pela exploração d,e pequenos lagos interiores, tiveram papel mais obscuro, mas ainda mais duradouro? O sal de Danakil era um dos produtos das exportações axumitas desde os séculos III e IV da era cristã; é muito improvável que não o fosse nos séculos seguintes. Embora a produção desse sal provavelmente nunca tenha adquirido maiores proporções, é bem possível que o produto tenha sido distribuído ao menos pelas regiões vizinhas durante os séculos que nos concernem.
Também seria útil estudar as formas antigas - muito prováveis - de exploração do sal na costa sul da República Democrática da Somália e no norte da República do Quênia até a ilha de Patta. Segundo V. L. Grotanelli, lá foram encontrados muitos depósitos de sal marinho, cuja exploração por coleta era realizada por mulheres e crianças. Também havia grandes concentrações de sal-gema, que parece ter sido objeto de comércio.
As fontes escritas raramente mencionam esses fatos, que, no entanto, são essenciais. Quando por acaso o fazem, a referência é pouco explorada. Vasco da Gama, por exemplo, explica no relato de sua primeira viagem que os africanos com os quais seus homens tiveram contato no sul do continente carregavam cabaças com água do mar para obter sal por evaporação. Há muitas evidências de que métodos de produção de sal semelhantes existiam há muito tempo na costa atlântica, pelo menos ao redor do golfo da Guiné, mas não houve um estudo sistemático para fundamentar esta informação precisamente datada por Vasco da Gama. Na mesma passagem, o navegador conta que os homens portavam lanças de ferro e adagas com cabo de marfim; mas também essas informações, de grande significado para a história do transporte do ferro e do marfim, nunca foram exploradas. Aqui está pelo menos um caso típico em que parece indispensável o recurso às tradições orais relativas aos intercâmbios comerciais. De fato, as tradições orais nos permitem, com freqüência, voltar muitos séculos no passado.
As informações são maiores sobre a mineração de sal no sul da República Unida da Tanzânia. As minas de sal de Uvinza no sudeste do país, ainda hoje exploradas, estendem-se por mais de 15 km. A primeira pesquisa arqueológica revelou que em Uvinza havia intensa atividade de preparação e comercialização do sal antes de 1500. Foram encontrados recipientes onde se produzia sal por evaporação, através da fervura. A datação por carbono-14 indica que a mineração começou por volta do século V ou VI da era cristã e que teve continuidade. Em Ivuna, na mesma área, é certo que o sal foi produzido do século XIII ao século XV.
Os pesquisadores concordam com que o sal era exportado para regiões distantes e que permitiu um comércio regular. Pesquisas semelhantes deveriam ser feitas mais ao norte, em salinas menos importantes - em Saja, a 230 km ao norte de Ivuna; em Uganda, em Kabiro; e também na República de Zâmbia, visando as fontes de sal de Bazang, que parecem ter sido exploradas desde tempos remotos. Experiência extremamente interessante foi feita recentemente no Burundi, na região do Kumozo: foi extraído sal de plantas halófilas bem conhecidas dos detentores da tradição oral, que trazem na memória as técnicas de fabricação desse sal de origem vegetal. Parece bastante razoável supor que para muitas regiões da África oriental a produção de sal de origem vegetal, proibida pelos colonizadores europeus, foi por muito tempo importante fonte de sódio. No Reino do Kongo, o sal era monopólio real. São necessários estudos sobre os depósitos de sal de Mpinda, perto do estuário do Zaire (Congo), e de Ambriz, no norte da República Popular de Angola.
Com o progresso das pesquisas, poderemos descobrir como o comércio de média e de longa distância, além das dádivas e dos intercâmbios locais, garantiam a circulação de valiosos bovinos pela África oriental. Também seria interessante pesquisar, nessa área, a circulação de pedras preciosas, objeto de comércio florescente, Seria interessante ainda tentar levantar os vários tipos de "moeda" que vieram facilitar as atividades de troca, as quais, de antemão, consideramos intensas e bastante difundidas; o exemplo das conchas do Kongo, cuja produção era monopólio real quando da chegada dos portugueses, não é provavelmente único.
A densa floresta equatorial, por muito tempo considerada impenetrável, barreira intransponível, não impediu as relações entre as savanas setentrionais e meridionais, principalmente onde as mudanças climáticas e o trabalho do homem abriram grandes brechas. Em seu estudo sobre sinos - uma das prerrogativas dos reis da savana -, Jan Vansina mostrou que estes cruzavam a floresta equatorial de norte a sul. Assim, foram encontrados sinos em Ife e, bem mais tarde, após 1400, no Zimbábue. Os especialistas em mensagens usavam os sinos para reproduziam os tons do discurso oral. Pesquisas ulteriores revelaram que os punhais de arremesso foram transmitidos aos povos meridionais pelos do norte através da grande floresta equatorial. Enfim, técnicas, objetos e idéias puderam cruzar a floresta do norte para o sul e ,do sql para o norte. Os povos migravam em todas as direções sem que a floresta impedisse esses movimentos.
Nas regiões florestais, os rios constituíam eixos de circulação permanente; apesar de cada grande setor ser controlado por grupos étnicos coesos e dominadores, as vias fluviais contribuíram em grande parte, graças aos pescadores, para a difusão de técnicas e idéias.
Na costa atlântica, da desembocadura do rio Zaire (Congo) até a República Popular de Angola, as populações locais dedicavam-se à cabotagem especialistas acham que algumas influências se difundiram pelo mar. Assim, segundo J, Vânsina, as estatuetas policrômicas encontradas na área que vai da República Federal da Nigéria até a República Popular de Angola testemunhariam a disseminação por mar de determinada técnica. De fato, é bem possível que o tráfego marítimo tenha sido bem mais ativo do que se pensa hoje.
É lamentável que, apesar de tantas discussões teóricas sobre a economia e a sociedade.africanas antigas, haja tão poucos trabalhos em conjunto consagrados à pesquisa das formas, técnicas e valores das produções antigas e de sua comercialização - embora seja evidente a importância dos resultados de cada pesquisa. Quantos preconceitos relativos à "imobilidade" das sociedades africanas no que concerne ao desenvolvimento e à inovação seriam eliminados se, ao invés de se usarem como ponto de referência os séculos de contato com os europeus, durante os quais a África foi oprimida pelos efeitos socioeconômicos do tráfico de escravos, fosse feito um sério esforço no sentido de explorar o período que ora estudamos, do qual, paradoxalmente, não conhecemos nem as estruturas políticas nem as formas da vida econômica e social. Nesse aspecto, o campo aberto para a pesquisa é imenso, mas praticamente inexplorado, afora o trabalho de um pequeno grupo de arqueólogos. No entanto é esta África que devia ser conhecida, através de suas estruturas sociopolíticas, no sentido de estabelecer uma sociedade nova, profundamente enraizada nos valores de sua civilização.

O cobre e o ouro, bases dos intercâmbios na África meridional

Hoje sabemos com certeza que a exploração do cobre em algumas regiões da África meridional começou nos primeiros séculos da era cristã 50. O metal era extraído principalmente de sítios de Shaba, no noroeste da atual República de Zâmbia, no planalto central do Zimbábue e, em menor escala, no alto Limpopo. As descobertas arqueológicas e as datações obtidas nos últimos anos não deixam dúvidas a respeito do comércio de longa distância de barras, cruzetas ou ligas de cobre.
O primeiro nome que os portugueses deram ao Limpopo, quando começaram a explorá-lo, foi "rio do cobre"; a necessidade de encontrar minas de cobre a qualquer preço para se libertar da dependência dos produtores europeus do metal e a importância, em termos quantitativos, de suas exportações de cobre a partir do final do século XV para a África, onde a demanda era grande, explicam porque a perspectiva de encontrar cobre na África meridional era tão atraente.
Há numerosas evidências de que, por muito tempo, o cobre também foi bastante apreciado pelos africanos. Primeiramente era usado como jóia: muito cedo, o Compêndio de maravilhas observou que as mulheres dos negros usavam "argolas de cobre nos pulsos e orelhas" e que enfeitavam seus cabelos "com aros de cobre e com conchas". Provavelmente devemos pensar em termos de jóias de cobre quando Ibn Battüta descreve o povo que ocasionalmente vinha à corte do mansa "usando grandes brincos de meio palmo de largura". O uso comum do cobre e de suas ligas como marca de prestígio político em várias regiões dó continente é, provavelmente; também muito antigo.
Estes fatos bastam para nos convencer de que havia um comércio de longa distância desse "metal semiprecioso". Não se pode também descartar a idéia de que as cruzetas de cobre podem ter servido de moeda na África meridional, da mesma forma que as pequenas barras de cobre produzidas em Takedda, de que fala Ibn Battüta.
Ao sul da floresta equatorial, na savana arborizada, as riquezas minerais de Shaba provavelmente atraíram inúmeros povos. Não há dúvida de que foi ali que se desenvolveu a técnica de trabalhar metais ferrosos e não-ferrosos. Como conseqüência, o comércio de longa distância expandiu-se rapidamente naquela região. Os reinos luba e o império lunda floresceram na área de Shaba antes de 1500. Estudos sobre as línguas e as migrações de populações, a análise dos mitos de origem e do sistema de parentesco já possibilitam ter idéia dos problemas socioculturais da região. Parece cada vez mais claro que os homens viajavam em todas as direções, tanto na floresta como na savana. Essa pesquisa revela que Shaba foi um pólo cultural de onde partiram vastas correntes de intercâmbio; a influência luba se fez sentir até nas províncias do Zambeze.
Já no século X, al-Mas'üdi fala do lugar que o ouro ocupava na África meridional nestes termos: "Os limites do mar de Zanguebar situam-se nos territórios de SofaIa e de al-Wakwak, terras que produzem ouro em abundância" .
O texto é suficiente para mostrar que já no século X os muçulmanos tinham conhecimento do ouro da África meridional, que então era explorado e provavelmente exportado.
Mais uma vez a arqueologia confirma e esclarece as fontes escritas. Apesar de suas conclusões serem discutíveis, é difícil contestar a qualidade das informações básicas, cronológicas e quantitativas de R. Summers relativas à exploração do ouro no planalto dos Shona. O exame sistemático dos vestígios de mineração, das sondagens e das datações permitiu que o autor traçasse mapas precisos. A mineração parece ter começado por volta do século VII, imediatamente ao sul do Zambeze, no vale do Mazoe, e ter-se expandido entre os séculos IX e XI por todo o planalto, de onde alcançou a região do Limpopo somente no século XV. De acordo com R. Summers, a maior parte das exportações ia para a costa através do vale do Sabi em direção á Sofala; mas os dois outros eixos desse comércio passavam pelo Zambeze e pelo Limpopo. W. G. L. Randles, que seguiu em larga medida as conclusões de R. Summers, acredita, como muitos outros historiadores, que a prosperidade do Zimbábue nos séculos XIV e XV pode ser explicada pela concentração do comércio no Sabi nas mãos de uma minoria rica, e que as profundas transformações na navegação no Sabi após o século XV explicariam a decadência do comércio através do Zimbábue e o enfraquecimento de Sofala .
Não convém, portanto, como é freqüente, ligar a exploração e o comércio do ouro ao destino do Zimbábue apenas. Como na África ocidental, onde as rivalidades pelo controle da produção e da exportação do ouro explicam muitos pontos da história do século X ao XV, é provável que o ouro do sul alcançasse seus compradores muçulmanos por diversas vias, apesar dos esforços dos dirigentes do Zimbábue para estabelecer o monopólio, principalmente nos séculos XIV e XV.
Qualquer que seja o caso, e mesmo devendo considerar com reservas as estimativas de R. Summers quanto à produção de .ouro a partir do século XI de aproximadamente 9 a 10 t por ano, é preciso admitir que o ouro do sul alcançou o norte mais cedo do que acredita a maioria dos historiadores, interessados exclusivamente no destino de Kilwa e na cunhagem do metal precioso. Esse ouro já tinha provavelmente papel importante no comércio africano no século XI.
Os navegantes muçulmanos praticavam a cabotagem até Sofala já nessa época; ela só foi interrompida com a chegada dos portugueses, apesar de as rivalidades entre as cidades costeiras terem-na tornado talvez mais difícil. A cabotagem, que chegava a Aden, gerou correntes de exportação dos produtos do interior da África para os mundos muçulmanos, indiano e chinês e criou estaleiros, sobre os quais não sabemos praticamente nada.
Apesar de a extensão do comércio do ouro no século XI ser discutível, ninguém questiona sua importância nos séculos XIII e XIV. As estimativas de seu volume quando da chegada dos portugueses a Sofala permitem pensar que, durante esses séculos, muitos milhares de toneladas de ouro viajavam todo ano do sul para o norte. Escavações no bairro fortificado do Grande Zimbábue, infelizmente conhecido como Acrópole, revelaram os locais onde se fundia o precioso metal; é provável que o ouro também fosse refinado antes de ser exportado.
Nos séculos XIV e XV, o ouro teve papel predominante entre as mercadorias exportadas do planalto dos Shona e entre os produtos vendidos para a aristocracia governante do Zimbábue. No entanto atualmente a maioria dos historiadores concorda com que o ouro não era a fonte da riqueza do Zimbábue e que provavelmente se deveria pensar antes no desenvolvimento da criação de gado no planalto ervoso e não infestado pela mosca tsé-tsé. Uma grande seca no século XIII contribuiu para levar os criadores de gado ao planalto mais hospitaleiro. Como os reis sacrificiais dos povos criadores de gado, os senhores do Zimbábue teriam primeiramente construído a partir dos rebanhos seu poder e riqueza, um ou dois séculos antes de expandirem-nos consideravelmente pelo maior controle possível do comércio do ouro. Isto é, se não seguirmos uma distinção antiga, mas ainda ocasionalmente aceita, entre "mineradores", "criadores de gado", e "construtores": o primeiro grupo teria explorado o ouro, o cobre e outros metais antes de 1100; o terceiro seria responsável pelas famosas construções de pedra do Grande Zimbábue. Sua origem étnica e sua língua são desconhecidas; nada, porém, nos impede de acreditar que estes "construtores" e "mineradores" são os ancestrais diretos dos povos que vivem no planalto do Zimbábue,. isto é, os Sotho e os Shona.
Infelizmente, não temos informações suficientes sobre estas questões. A existência do Estado racista da África do Sul constitui um bloqueio à pesquisa, mas com a independência da República do Zimbábue novas perspectivas se abrem.
Conhece-se bem a pré-história dessas regiões graças aos trabalhos dos pesquisadores anglo-saxões, mas o obscurecimento predomina quando se aborda o período histórico. Tudo se faz para negar aos negros a paternidade das culturas florescentes que lá se desenvolveram antes de 1500.

Elementos recolhidos aqui e ali provam, no entanto, que essas civilizações estiveram interligadas e apresentam uma unidade incontestável. A leste, o vale do Zambeze foi a via de penetração das influências do norte, inclusive as dos Bantu. Nos reinos que se expandiram nas savanas meridionais, o trabalho e o comércio dos metais tiveram papel primordial. Ao sul do Zambeze, podem-se distinguir duas áreas de intensa atividade cultural: o planalto zimbábue e, bem mais ao sul, o planalto do Lughveld.
Um: outro aspecto do comércio interafricano vem assumindo grande importância nos últimos anos. P. Vérin foi o primeiro a insistir nas relações freqüentes entre Madagáscar, as ilhas Comores e a costa oriental do continente. Sugeriu que, se a partir da costa numerosas influências ganharam as ilhas, alguns produtos, como os objetos malgaxes talhados em cloritoxisto, podem muito bem ter se difundido ao longo da costa até Kilwa.
Se se confirmarem as intuições e hipóteses de P. Vérin em futuras pesquisas, será preciso reavaliar seriamente o que com freqüência se tem dito dos limites meridionais das zonas de navegação africana e árabe no oceano Indico. A vigorosa retomada da pesquisa arqueológica em Madagáscar a partir de 1977 provavelmente deverá trazer, a julgar pelos primeiros resultados anunciados, elementos importantes para o nosso conhecimento dessas regiões.

Fonte: Blog Africanidades

5 comentários:

  1. Olá, Valter ! Gostei muito deste texto. Gostaria de saber se posso colocá-lo no meu blog? Obrigada, Carla.

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  2. Claro que sim.
    Compartilhar conhecimentos é o objetivo do portal.
    Um grande abraço!!!
    Valter Pitta

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  3. Olá Valter, é um prazer conhecer seu blog tão especial.Adorei sua abordagem histórica! Voltarei mais vezes e vou linkar ele no meu blog Afro Corporeidade. Neste blog tenho alguns textos sobre a cultura afro-brasileira, caso queira conhecer estão nos TEMAS do blog, canto esquerdo, TEXTOS DENISE GUERRA. Meu endereço é http://afrocorporeidade.blogspot.com
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