sábado, 29 de maio de 2010

A Civilização Songhai nos séculos XII ao XVI

Análise sobre uma das mais importantes civilizações do Vale do Níger, a civilização Songhai, que teria sucedido aos grandes impérios de Gana e Mali


O Império Songhai e suas rotas comerciais.

Ao fim de longa evolução de cerca de oito séculos, os Songhai, estabelecidos nas duas margens do médio Níger, erigiram um poderoso Estado e unificaram grande parte do Sudão, permitindo assim o desabrochar de brilhante civilização, em gestação durante todo esse tempo. Para maior clareza, consideraremos dois grandes períodos desta evolução, tentando distinguir seus principais aspectos, na medida em que seja possível discerni-los nos dois Ta'rikh de Tombuctu, nas fontes árabes e européias e nas tradições songhai.

O reino de Gao do século XII ao advento de Sunni 'Ali Der em 1464

Conhece-se mal a história dos Songhai anterior ao reinado de Sunní 'Ali Ber (1464-1492). As raras fontes árabes sobre o período mais suscitam problemas do que informam. As tradições orais dão apenas um quadro imperfeito da realidade desses tempos antigos. O estudo desse período será, portanto, crítico; levantará mais questões do que as resolverá, e as soluções propostas servirão apenas como hipóteses de pesquisa.

O reino de Gao no século XII


Cidade de Gao, Mali.

Por sua posição geográfica às margens do Níger, na zona fronteiriça entre o Sudão e o Sahel, Gao tornou-se, no século XII, a capital do jovem Estado songhai, acabando por eclipsar a antiga cidade de Kükya (ou Kugha, conforme os autores árabes). O comércio do sal de Tawtek (local não identificado), a passagem por Tadmekka de mercadorias provenientes da Líbia, do Egito, da Ifrikya, as caravanas do Tuat e de lugares mais distantes do Magreb ocidental transformaram Gao num grande mercado cosmopolita.
As fontes árabes, no entanto, não são muito precisas quanto ao nome da cidade. Segundo al-Bakri, que transcreve "Kaw-Kaw", a cidade situava-se no Níger. AI-Idrisi distingue a cidade de Kügha, "bem populosa", cercada de muros na margem norte, a vinte dias de marcha de Kaw-Kaw (Gao-Gao) ao norte. O que se deve sublinhar é a existência das duas cidades, Gao e Kükya, no século XII.
O reino que se estendia sobre as duas margens do Níger, de Dendi a Gao, era dirigido pelos Dia ou Za, provavelmente uma fração dos Songhai miscigenada com berberes. De qualquer modo, no século XI o Dia tinha o título songhai de Kanta ou Kanda. Evento de importância capital foi a conversão do Dia kossoy ao Islã em 1019; o exemplo não parece ter sido seguido pelos Songhai, que por muito tempo ainda permaneceram fiéis às suas crenças e práticas religiosas tradicionais.
Estelas funerárias encontradas em Gao-Sané mencionam nomes muçulmanos diferentes daqueles dos Ta'rikh. Por várias razões, elas parecem ter sido importadas.

A dominação Manden(Mandingo) e a Dinastia dos Sunni: séculos XIII a XV

Provavelmente entre 1285 e 1300, exércitos manden (mandinga) conquistaram o reino de Gao. Entre 1324 e 1325 aproximadamente, o mansa Kanku Miisã, voltando de peregrinação, construiu uma mesquita em Gao. Sob a direção dos farin ou governadores, os Manden organizaram a região da curva do Níger e encorajaram seu desenvolvimento econômico. Gao tornou-se, então, grande centro comercial e uma das cidades mais belas do Sudão.
A dominação manden não foi contínua. O Dia de Gao era, na realidade, um tributário que aproveitou as dificuldades do Mali para se emancipar. Em todo caso, parece que o final do século XIV marcou o término da dominação manden sobre o Gao. Uma nova dinastia - a dos Sunni - fundada por 'Ali Kolon no século XIII, tornou-se independente e expulsou os Manden.
Segundo Boubou Rama, esta dinastia, cuja origem ainda é objeto de discussão, teria vindo de Kuikya e expulsado os Manden de Gao. Os Sunní, também conhecidos como Sii ou Chi, eram guerreiros. Os três últimos representantes da linhagem deixaram Gao e levaram a guerra para leste, na direção da rica região de Macina e do Império do Mali. Sunni Madawu, pai de Sunní 'Ali", empreendeu grande ataque contra Niani, capital do Império Manden, saqueando-a e tomando 24 tribos de escravos pertencentes ao mansa. Seu sucessor Sunni Solimão Daama, por sua vez, invadiu e destruiu Nema (Mema), centro da província soninke do Império do Mali, arrebatando grande butim. As guerras aumentaram os meios de ação da monarquia. O rei de Gao tornou-se o verdadeiro senhor da curva do Níger e com a ascensão de Sunni 'Ali em 1464, a dinastia atingiu o apogeu.

O Império Songhai nos séculos XV e XVI


Sunní 'Ali Ber (1464-1492).


Conquista e organização de um império

Sunni 'Ali Ber mudou os destinos do reino de Gao. Abandonou a política de pilhagem adotada pelos predecessores, substituindo-a pela conquista territorial. Para tal, contou com um exército experiente e bem estruturado, chefiado por homens competentes: uma flotilha no Níger comandada pelo hi koy (ministro do rio e da esquadra), uma infantaria que aumentava continuamente com a incorporação dos guerreiros vencidos e, sobretudo, uma cavalaria que, por sua mobilidade, foi a ponta-de-lança de suas conquistas. Durante o reinado, Sunni 'Ali Ber percorreu, à frente dos cavaleiros, o Sudão nigeriano em todos os sentidos, desconcertando seus adversários pela surpresa e rapidez, e impondo sua autoridade pela violência e pelo medo. Seus contemporâneos julgavam-no invencível, a encarnação mesmo do espírito da guerra. Conhecido como grande mágico, era considerado um homem extraordinário, carismático, tanto que o povo conferiu-lhe o título de daali.
Como os predecessores, Sunnl 'Ali foi atraído pela rica região ocidental, pelas cidades nigerianas e pelo delta central do Níger. Conquistou sucessivamente Djenné, parte da região de Macina, onde abateu grande número de Fulbe (Peul ou Fulani), e, o mais importante, Tombuctu (1468). Atacou os tuaregues, rechaçando-os para o Sahel setentrional; no sul, empreendeu várias expedições contra os Dogon, os Mossi e os Bariba. Em 1483, nas cercanias de Djenné, venceu o rei mossi Nasere I, que voltava de Walata trazendo rico butim. Desta forma, Sunni 'Ali acabou com a ameaça dos Mossi no vale do Níger. Em 1492, ano de sua morte acidental, ele dirigia um grande império que, centrado no Níger, estendia-se desde a região de Dendi até a de Macina. Organizou-o segundo o modelo manden. Criou novas províncias, confiadas a soberanos que se intitulavam fari ou farma (manden) e koy ou mondzo (songhai). Nomeou um cádi para Tombuctu e provavelmente para outras cidades muçulmanas. Todos esses agentes do leste estavam diretamente subordinados a Sunni; desta forma, o Estado patriarcal e consuetudinário de Gao tornou-se um Estado centralizado que controlava todas as regiões do Níger. Sunni 'Ali favoreceu o desenvolvimento econômico do jovem império. Se, por um fado, falhou na escavação de um canal unindo o Níger a Walata, por outro, construiu diques no vale do rio e incentivou a agricultura.

Política religiosa

Sunni 'Ali Ber enfrentou grandes dificuldades junto à aristocracia muçulmana, principalmente em Tombuctu. Dois séculos mais tarde, os ulemás desta cidade descrevê-Io-iam à posteridade como um soberano cruel, tirânico e libertino; hoje já está reabilitado. Os motivos de sua oposição aos ulemás eram tanto políticos quanto ideológicos. Tendo sido educado no Faru (Sokoto), terra de sua mãe, nunca foi bom muçulmano, pois jamais abandonou os cultos tradicionais songhai. Os ulemás criticavam-no constantemente e muitos deles aliaram-se aos tuaregues de Akil Ak Melawl, contra os quais Sunni lutava. Acima de tudo, o imperador simbolizava a cultura tradicional songhai diante de forças novas: o Islã e as cidades.

A Dinastia dos Askiya (1492-1592)


Askíya Muhammad I.

A morte de Sunni 'Ali provocou uma guerra civil. Sunni Baare recusou-se a se converter ao Islã. Um partido muçulmano, dirigido pelo hombori-loi Muhammad e seu irmão 'Umar Komdiãgho, revoltou-se contra o novo sunni e o derrotou em Anfao, na região de Gao. Muhammad Turé ou Sylla apossou-se do poder soberano com o título de askiya, fundando, assim, uma dinastia muçulmana.
O Askiya Muhammad era de origem soninke, do clã dos Turé ou Sylla, provenientes do Takfür. Apesar de iletrado, era muçulmano fervoroso, homem equilibrado e moderado, além de político sagaz. Apoiou-se sobre as novas forças para expandir e consolidar o império fundado por Sunni 'Ali Ber; sua vitória foi a do Islã. O início de seu reinado foi marcado não tanto pelas conquistas, mas pela peregrinação que empreendeu a Meca.
Em 1496-1497, por motivos religiosos e políticos, o novo soberano visitou os lugares santos do Islã. Fez-se acompanhar de um exército de 800 cavaleiros e de numerosos ulemás, levando uma soma de cerca de 300 000 dinares para as despesas. No Cairo, visitou um dos pilares do Islã, o grão-mestre da mesquita de al-Azhar, al-Suyüti, de quem recebeu conselhos sobre a arte de governar. Adquiriu uma. concessão em Meca para abrigar os peregrinos do Sudão e obteve do xerife de Meca o título de califa do Sudão, as insígnias do novo poder, assim como o envio a seu império de embaixador, o xerife al-Sakli. Voltou ao Sudão legitimado na fé muçulmana e com seu poder universalmente consagrado.
O Askiya Muhammad deu continuidade à obra de Sunni 'Ali Ber. Auxiliado pelo irmão 'Omar Komdiãgho, expandiu o império em todas as fronteiras. Dominou as regiões de Macina e de Zara (Diara) onde, em 1512, foi morto Tenguella (Tonguella), sucedido pelo filho Koly Tenguella. Tornou-se senhor do Saara até as minas de Teghazza, conquistou Agadez e as cidades haussa de Katsina e Kano. No entanto, as incursões contra os povos do sul - os Bariba, os Mossi e os Dogon - não foram bem-sucedidas. Graças a suas conquistas, consolidou o Império Songhai, expandindo-o a seus limites máximos, de Dendi à Sibiridugu, ao sul de Segu, e de Teghazza à fronteira de Yatenga.
O askiya organizou o império conforme a tradição herdada de Sunni 'Ali. Para o cargo de kurmina fari, nomeou o irmão 'Omar Komdiagho, que construiu uma capital inteiramente nova, Tendirma. Criou, ainda, outras províncias, substituiu os funcionários de Sunni 'Ali por homens que lhe eram fiéis, além de nomear cádis para todas as cidades muçulmanas. Também reorganizou a corte e o conselho imperial, estabelecendo hierarquias e o protocolo, distribuindo as tarefas palacianas entre seus vários servidores e instituindo normas para os ulemás e os cádis da corte.
O Askiya Muhammad foi um soberano esclarecido que se interessou por todas as atividades do império. Além de ter encorajado o comércio, que muito enriqueceu o país, esforçou-se por estabelecer e controlar a utilização de instrumentos de medida, por garantir a pronta aplicação da justiça pelos cádis e por assegurar a ordem nos negócios, criando, para isso, um corpo de inspetores de mercado. Teria construído um canal na região de Kabara-Tombuctu. Incentivou a agricultura criando numerosas colônias de cultivo, povoadas de escravos trazidos das guerras e, principalmente, diminuindo os impostos pagos sobre os produtos agrícolas. Favoreceu, ainda, o desenvolvimento dos estudos, distribuindo presentes e pensões aos ulemás, e, sobretudo, cercando-os de respeito.

No entanto, o soberano sofreu o infortúnio de ter muitos filhos e permanecer por muito tempo no poder. Velho e cego, foi derrubado por uma conspiração dos filhos, liderados pelo primogênito, o fari mondzo (ministro das terras) Müsã, que foi proclamado askiya em 1528.

Os sucessores do Askiya Muhammad

Os filhos do Askiya Muhammad sucederam-se no poder até 1583: Müsã (1528-1531), Muhammad II Benkan Kiriai (1531-1537), Ismã'il (1537-1539), Ishak I (1539-1549), Dãwud (1549-1583). Em seguida, a sucessão passou para os filhos de Dãwud: al-Hadj Muhammad III (1583-1586), Muhammad IV (1586-1588), Ishak II (1588-1591) e Muhammad Gao (1592). Não tendo, de fato, mais o que conquistar, faziam incursões aos países limítrofes. No plano interno, a curva do Níger assistiu, mais de uma vez, a sangrentas crises de sucessão. No exterior, surge novo problema, o das minas de sal de Teghazza, O qual envenenaria as relações com os sultões do Marrocos. Examinaremos estes problemas nos três principais reinados.

Ishak I (1539-1-549) é descrito nos Ta'rik como príncipe autoritário, que impunha obediência. Seu irmão Dãwüd liderou uma incursão contra a capital do Mali para pilhá-la. Foi no reinado de Ishak I que veio à tona a questão de Teghazza: o sultão do Marrocos, o sa'di Muhammad al-shaykh reivindicou o direito de propriedade sobre as minas de sal, mas fracassou na tentativa de ocupá-las; Ishak I reagiu, organizando os cavaleiros tuaregues para invadir o Dra (Dar'a) marroquino.
Dãwüd (1549-1583), filho do Askiya Muhammad I, teve um reinado longo e próspero, que correspondeu ao florescimento do Império Songhai. Os Ta'rik descrevem o askiya Dãwüd como príncipe inteligente, astuto, aberto a tudo, amigo dos letrados. Sua grande experiência nos negócios e no trato com as pessoas decorria do fato de ter exercido vários cargos políticos e de se ter envolvido nas questões surgidas nos reinados dos irmãos.
O império alcançou o apogeu durante o reinado do askiya Dãwiid, prosperando econômica e intelectualmente. O vale do rio foi intensamente cultivado e as grandes cidades de comércio mostraram-se mais' ativas do que nunca. Era a época em que as caravanas transaarianas suplantavam as caravelas atlânticas, conforme narra V. M. Godinho. A prosperidade geral trouxe grandes lucros ao askiya, que chegou a amealhar um tesouro com o numerário proveniente das taxas sobre o comércio e as terras imperiais. Seus armazéns recebiam milhares de toneladas de cereais recolhidos através do império. Como o pai, Dãwud foi grande mecenas. Honrou os homens de letras, cumulando-os de consideração e presentes. Contribuiu para a restauração de mesquitas e para o sustento dos pobres.
No plano militar, o askiya promoveu inúmeras campanhas de pacificação na região de Macina e a leste, combatendo principalmente os Mossi. O litígio em torno de Teghazza continuava a ser o problema mais grave. O sultão do Marrocos, Mülay Ahmad al-Mansur, insistia em reivindicar as minas. Ao que parece, chegou-se a um acordo pelo qual eram preservados os direitos e propriedades songhai. No entanto, uma expedição marroquina ocupou as minas durante o reinado do askiya al-Hadj Muhammad III (1583-1586). Os tuaregues passaram a explorar Tenawdãra (Taud'eni), situada 150 quilômetros ao sul de Teghazza, que logo caiu em ruínas.
Com a morte de Muhammad III em 1586, seu irmão Muhammad IV Bano foi proclamado askiya, fato que terminou por originar uma guerra civil. Muitos irmãos do askiya revoltaram-se, entre eles o balamo da região de Tombuctu, al-Saddik. Liderando as forças de Kurmina e das províncias ocidentais, al-Saddik -marchou sobre Gao em 1588. Proclamado askiya em Tombuctu, foi, porém, derrotado pelo novo askiya de Gao, Ishak II, que reprimiu cruelmente a rebelião e dizimou os exércitos ocidentais. O império se viu, assim, moralmente cindido. A região ocidental, decepcionada, perdeu o interesse por Gao, e muitos príncipes songhai aliaram-se sem dificuldade aos invasores marroquinos em 1591, três anos após a guerra civil. O Império Songhai iria, assim, desmoronar, vítima das próprias contradições.

A civilização songhai




Organização política e administrativa

O Império Songhai foi profundamente original quanto à organização política e administrativa. A forte estruturação do poder, a centralização sistemática e o absolutismo real são características que atribuíram uma coloração moderna à monarquia de Gao, distinguindo-a do sistema tradicional de federação de reinos, vigente nos impérios de Gana e do Mali.

A monarquia

A monarquia de Gao sob os askiya, herdeira de longa tradição de governo, fundava-se nos valores islâmicos e consuetudinários. Segundo os antigos costumes sudaneses e songhai, o toi (rei) era o pai do povo, dotado de poderes semi-sagrados, fonte de fecundidade e prosperidade. Quem dele se aproxi- masse, tinha de se prostrar em sinal de veneração. Já a tradição islâmica estipulava que o monarca de Gao, muçulmano desde o século XI, devia governar segundo os preceitos do Corão. Estas duas tradições combinavam-se dependendo da personalidade do soberano, predominava uma ou outra. Askiya Muhammad I e o askiya Dãwüd apoiaram-se no Islã; Sunni 'Ali e maioria dos outros askiya foram mais songhai do que muçulmanos.
O imperador residia em Gao, cercado de numerosa corte, a sunna, que compreendia membros da família, grandes dignitários e griots Guesere e Mabo. Sentava-se numa espécie de estrado, rodeado de setecentos eunucos. O griot Wandu atuava como arauto. Inúmeros serviçais, geralmente escravos, realizavam as diversas tarefas domésticas, dirigidos pelo hu hokoroy koy, mordomo-mor do palácio. O encarregado do guarda-roupa cuidava do vestuário.


O Mausoléu dos Askia Muhammad, em Gao, Mali.

Com a morte do soberano, sucedia-lhe o irmão mais velho. De fato, decidia-se a sucessão pela força, daí as crises periódicas. O novo askiya era proclamado pela sunna e entronizado na antiga capital de Kukya.
O governo era constituído por ministros e conselheiros nomeados, que podiam ser demitidos pelo askiya, e obedeciam a uma hierarquia segundo a sua função. Pode-se distinguir o governo central do askiya e o das províncias.

O governo central

Os funcionários do governo central formavam o conselho imperial, que debatIa todos os problemas do império. Um secretário-chanceler redigia as atas do conselho, tratava da correspondência do soberano, da redação e da execução de suas leis. Outros funcionários, cujas tarefas são mais ou menos conhecidas, cuidavam dos vários departamentos administrativos. Não havia propriamente especialização de funções. Os Ta'ríkh fornecem a lista de dignitários do poder central, sendo os principais.
O hi koy era o "senhor da água", o chefe da flotilha. Sua função era das mais antigas e importantes, em virtude do papel do Níger na vida dos antigos Songhai. O hi koy tornou-se um dos mais altos dignitários da corte, uma espécie de ministro do Interior, que dirigia os governadores das províncias. Desta maneira entende-se, sob o reinado do askiya Ishak I, que o hi koy repreenda o príncipe Dãwüd, governador de Kurmina, ordenando-lhe que volte imediatamente à sua província.
O fari mondzo ou mondio era o ministro da Agricultura. É possível que dirigisse as numerosas propriedades imperiais espalhadas pelo país, grandes fontes de renda. Sua função, muito importante, era geralmente confiada a príncipes de sangue, senão ao príncipe herdeiro. Com certeza, competia também ao fari mondzo resolver conflitos de terra. O hari farma, inspetor das águas e lagos, o saw farma, inspetor das florestas e o waney farina, encarregado das propriedades, desempenhavam funções semelhantes.
O kalissa farma (ministro das Finanças) tem uma função mal definida nos Ta'rík; devia estar ligada à tesouraria imperial. Sabe-se que os askiya eram muito ricos, e que suas rendas em espécie ou dinheiro eram centralizadas em Gao. O kalissa farma cuidava da guarda do tesouro e controlava as despesas do soberano. O numerário em moedas constituído pelo askiya Dãwud estava, sem dúvida, sob a responsabilidade de um desses funcionários. O kalissa farma era auxiliado pelo waney farma, senhor dos bens, pelo bana farma, encarregado dos salários, e pelo doy farma, chefe de compras.
O balama desempenhava funções militares, embora os Ta'rik não as descrevam com precisão. Em tempos antigos, o balama era chefe do exército. O cargo deve ter perdido importância no século XVI, quando não há menção do balama à frente dos exércitos imperiais. O balama tornou-se chefe de um corpo de exército estacionado na região de Kabara-Tombuctu, com certeza sob a jurisdição do kurmina fari. Ao que parece, a função era reservada a príncipes de sangue. Embora não haja referências nos Ta'rik, é possível que para a administração do império, Gao possuísse outros departamentos. Pode-se mencionar o korei farma, ministro encarregado dos estrangeiros brancos, e os comissários imperiais, que o imperador enviava periodicamente às províncias para resolver problemas urgentes, arrecadar impostos extraordinários dos comerciantes das grandes cidades ou fiscalizar os funcionários e administradores das províncias.

O governo das províncias


Mapa do Império de Songai e de seus vassalos (século XVI).

Os Songhai adotaram dois sistemas de governo, de acordo com o território em questão.
Um primeiro grupo compreendia as províncias conquistadas, governadas por chefes nomeados e demissíveis a qualquer momento pelo askiya. Estes governadores, hierarquizados, exerciam o poder soberano - exceto a justiça, confiada aos cádis. Eram intitulados fari, farma ou farba, nomes derivados da instituição manden farin. O Império do Mali havia instituído farin (governadores) na curva do Níger, e Sunni 'Ali e os askiya deram continuidade à função e ao título. O koy (chefe) era uma instituição songhai de menor importância, assim como o mondzo, título que se aplicava tanto ao funcionário de uma localidade (Tombuctu mondzo) quanto ao de um departamento ministerial (fari mondzo). Nada sabemos sobre os títulos de cha, marenfa e outros.
O império era dividido em duas grandes províncias: Kurmina a oeste e Dendi a sudeste. A função do kurmina fari ou kanfari era exercida, com raras exceções, por príncipes de sangue, muito freqüentemente pelo próprio príncipe herdeiro. O kurmina fari habitava Tendirma, aparecendo como o segundo personagem em importância do Estado. Não se conhecem com certeza os limites de sua jurisdição; ao que parece, dirigia todas as províncias a oeste de Tombuctu. Isso carece, porém, de confirmação, já que os governadores da região eram nomeados por Gao e subordinados ao askiya. Por volta do final do século XVI, o kurmina fari tornou-se o verdadeiro chefe de todas as províncias do oeste, impondo-se pelo seu poderio militar. De fato, dispunha de poderoso exército que, com cerca de 4 mil homens, era capaz de contrabalançar as forças de Gao, conforme ficou patente em várias ocasiões.
O dendi fari, governador da província de Dendi, supervisionava toda a região dendi, ou seja, a parte sudeste do império. Era o terceiro personagem em importância do Estado; o titular era geralmente grande dignitário da corte. Seu exército devia ser pouco mais modesto que o de Kurmina, tendo por função defender as fronteiras meridionais do império. As províncias secundárias eram governadas por chefes nomeados pelo askiya: o hora koy, o dirma koy, o hombori koy, o arabinda forma, o benga forma, o kala cha e o baghena forma, que perdera seu título de askiya.
As cidades de comércio, como Tombuctu, Djenné, Teghazza e Walata, gozavam de certa autonomia sob o governo de seus koy ou mondzo. As atividades comerciais e artes anais e a grande população requeriam a presença de muitos funcionários administrativos. Assim, em Tombuctu, além do cádi encarregado da justiça e do Tombuctu koy, chefe da cidade, havia extenso quadro de funcionários: o asara mondzo, espécie de comissário responsável pelo poli Clamento dos mercados e pela execução das sentenças do cádi, os inspetores de pesos e medidas, os coletores de impostos dos mercados, os inspetores alfandegários de Kabara, os mestres de diversas profissões, os chefes das diversas subdivisões de etnias - agrupadas por bairros - e os comissários das cabanas dos subúrbios. Este pessoal formava o núcleo de uma administração eficaz nas grandes cidades.

Administração indireta

A administração indireta concernia aos países vassalos ou tributários. O chefe do território era nomeado segundo os costumes locais e reconhecido pelo askiya. Disputas entre os pretendentes ou rebeliões contra a autoridade imperial, no entanto, aconteciam. Neste caso, o askiya intervinha e impunha seu candidato. Dessa forma, o fondoko da região de Macina, Bubu Mariama, foi destronado pelo askiya al-Hadj Muhammad III, que o exilou em Gao. Os Estados haussa - Kano e Katsina -, o reino de Agadez, o Império do Mali, a federação tuaregue Kel Antessar (os Andassen de al-Sa'di'), a de “Magcharen" (tuaregues de origem Sanhadja da região de Tombuctu-Walata) agrupavam-se nessa categoria, sendo mais ou menos tributários, de acordo com a orientação política de Gao. Seus soberanos deviam pagar tributos periódicos, enviar contingentes de guerreiros quando o imperador pedisse e manter boas relações com Gao através de visitas, presentes e casamentos.
Com estes vários sistemas de administração - o central, o provincial e o indireto, o Império de Gao conseguiu organizar as populações do Sudão nigeriano, manter pessoas e bens em segurança e alcançar grande desenvolvimento econômico. A monarquia dos askiya foi um poder estruturado e impessoal, enraizado em valores songhai e islâmicos, que triunfou em diversas crises dinásticas. Se não houvesse sido debilitada pela conquista marroquina, poderia ter evoluído para uma forma de Estado moderno africano, que preservasse as liberdades essenciais do homem apesar da forte centralização política.


2ª Parte -->

5 comentários:

  1. Olá amigo, este blog foi esoclhido para receber o PRÊMIO DARDOS. Por favor passe no blog Afro Corporeidade http://afrocorporeidade.blogspot.com para pega-lo. Abçs!

    ResponderExcluir
  2. Gostei me ajudou muito! Obrigado e Parabéns pelo Blog!! (:

    ResponderExcluir
  3. opinião única, bem diferente, porém concordo com oq vc quis dizer, eienkjnwa

    ResponderExcluir