terça-feira, 15 de junho de 2010

Existe um Sudão da paz

No país conhecido por uma guerra genocida e um movimento separatista, ainda há lugar para as tradições milenares dos faraós e de uma cultura islâmica festiva


O complexo de Meroe foi a capital do Reino de Kush durante
vários séculos. Hoje, suas areias têm quase 100 pirâmides.

O Sudão não costuma despertar boas referências. O conflito de Darfur, na região oeste do país, ganha espaço regular na imprensa. Os resultados das eleições de abril foram contestados. E o presidente Omar al-Bashir é maldito pelos Estados Unidos. Além disso, a metade sul, separatista, do país prepara-se para um plebiscito em 2011 que deverá dividir a nação. Isso sem contar as notícias mais antigas de que Osama Bin Laden viveu cinco anos no Sudão na década de 90 e de que os Estados Unidos bombardearam uma fábrica em Cartum, em 1998, como retaliação a dois ataques a embaixadas americanas realizados pela Al Qaeda.

Mesmo que o mundo condene o governo do Sudão, o país tem um lado positivo, que não aparece nas manchetes. Para encontrar a parte interessante do país, rumamos para o leste e o norte. Ao chegar à capital – onde ficamos hospedados no camping do Iate Clube Nilo Azul –, encontramos Kamal Omer. O enorme sudanês aparece vestindo uma impecável jalabyia branca, a roupa masculina tradicional árabe. Além de ser inspetor da aviação civil, Kamal é um dos diretores do clube, adora velejar e conversar com os raros estrangeiros que ali aportam. “Somos um povo muito hospitaleiro e pacífico”, diz Kamal. “Vocês podem não acreditar, mas Cartum é uma das capitais mais seguras da África.”

Durante os dias em que passamos em Cartum experimentamos a generosidade e o carinho sudanês e fomos convidados para vários eventos. Começamos nossa agenda social com um almoço de casamento. O pai do noivo reúne centenas de amigos e parentes para marcar o início das celebrações, que duram três dias e consomem o equivalente a R$ 40 mil. Essa é apenas uma das festas que acontecem durante um casamento, e, nessa ocasião, somente os homens foram convidados. Somos os únicos estrangeiros entre centenas de jalabyias brancas. Uma pesada bandeja redonda, carregada por duas pessoas, é colocada no centro de cada mesa. Somos oito ao redor de um festival de comidas tradicionais e recebemos uma breve descrição de cada prato. A mesa oferece falafel, fool medemmas (pasta de feijão), queijo feta, iogurte temperado com cebola e pães. Comemos apenas com a mão direita.

Mal saímos do banquete, Kamal nos convida para conhecer sua casa, onde mais uma celebração acontece. Seu sobrinho Ali, de 27 anos, acaba de comprar o primeiro carro, e a tradição reza que o jovem festeje com um carneiro. Depois de abençoar o veículo com o sangue do animal, a carne é distribuída entre amigos. Depois, seguimos para uma samiya, ocasião em que o recém-nascido recebe seu nome. Quem oferece a festa é Maki, pai do pequeno Mohamed, que nasceu há duas semanas.

A família fechou um trecho da rua, colocou tapetes sobre o solo, decorou o ambiente com guirlandas e montou um palco para uma banda local. Diversos panelões alimentam centenas de convidados. Quando a banda toca uma música conhecida, todos se levantam para dançar. Homens erguem o punho para cima, mulheres estalam os dedos e vários seguem a letra da melodia em voz alta. “É uma alegria simples, mas verdadeira. E sem uma gota de álcool”, diz Maki. Como preza a tradição islâmica.

.:: Jornalista Haroldo Castro
Revista época

Um comentário:

  1. Gostei muito da reportagem. Estou pesquisando o Sudão para um trabalho da faculdade de Pedagogia em Campo Grande - MS, Universidade Anhanguera Uniderp, e o artigo foi de grande valia para conhecer um pouco mais da cultura sudanesa! Obrigada. Valquiria.

    ResponderExcluir