Outros Númidas
Dois são os autores que mais nos informam acerca dos povos ou grupos habitando a Berberia: Plínio, o velho, e Ptolomeu. Plínio, o velho, (V, 30) nos apresenta um relato específico das cidades e vilarejos existentes entre a região ocidental da Berberia oriental – mais precisamente a partir do el-Kebir – até a Cirenaica. Com relação à Berberia númida, ele diz: "...entre as comunidades restantes, a maioria não é somente de povoados, mas podem ser mencionadas, com justiça, como povos; assim há os nattabudes, os capsitani, os musulâmios, os sabarbares, os massilos, os nicives, os vamacures, os cinithi, os musuni, os marchubi e o conjunto da Getúlia, até o rio Nigris, que separa a África da Etiópia".
J. Desanges (1980: 328) comenta acerca da lista de Plínio seu aspecto aleatório, que se repete quando ele enumera as cidades e vilarejos dessa mesma região. Ela não segue uma ordem alfabética e nem parece seguir uma geográfica. Os nattabudes, seguindo Ptolomeu (IV, 3, 6: 639), são vizinhos dos musulâmios. Ambos estão localizados nas proximidades de Cirta, para o sul. J. Gascou (1982: 103) afirma que, no começo do século I d.C., essa área, formada por um relevo muito fragmentado, era ainda povoada por grupos nômades. Em Oum Krekèche, 20 Km. para o sudeste da cidade romana de Thibilis (que fazia parte da Confederação Cirtense, agrupamento de vilarejos e povos ao redor de Cirta, em época romana, reunidos sob sua jurisdição), foi encontrada, de maneira fortuita, uma inscrição de época tardia (209 d.C.), atestando a existência de uma g(ens) Nattabutum (C.I.L. VIII, 4826 apud Desanges 1980: 329).
Os capsitani, se levarmos em consideração, com rigor, o significado do sufixo étnico – itanus, teriam que ser entendidos enquanto habitantes da cidade de Capsa (atual Gafsa), cidade berbere datada do século II a.C., ao menos (Gsell 1918, vol.II: 98). No entanto, em seus comentários acerca do livro V de Plínio, o velho, J. Desanges (1980: 330) lembra que na documentação epigráfica os habitantes da cidade de Capsa são denominados capsenses (C.I.L. VIII, 100 e 101).
Com relação aos musulâmios, possuímos dois grupos portando o mesmo nome – citados por Plínio, o velho, e por Ptolomeu. Os de Plínio correspondem a um dos grupos berberes mais mencionados nas fontes textuais – literárias e epigráficas – do século I d.C. em diante. Seu território vê-se situado na região da cidade berbere de Madauros, a meia distância entre Tébessa (antiga Theveste) e Kenchela (antiga Mascula), na fronteira entre a Berberia central e a oriental, atual Argélia. J. Desanges, seguindo St. Gsell (1928, vol.VII: 190), acredita que o eixo de seu território estivesse situado no curso superior do oued Mellègue (antigo Muthul), na Koumirie, cujo nome antigo estaria ligado ao do próprio grupo indígena dos musulâmios (Musulami) (Desanges 1980: 331). Já os de Ptolomeu (IV, 3, 6: 639) são localizados para o noroeste desta mesma região. J. Desanges liga esse segundo grupo de musulâmios aos revoltosos, liderados pelo berbere Tacfarinas, que promoveram destruição nas terras de Cirta (Cirtensium pagi), no início do século I d.C. História que é relatada por Tácito (Anais, III, 74). O mesmo Tácito (Anais, II, 52) menciona musulâmios nômades, percorrendo os montes meridionais da Argélia, em contato com mouros. No século III d.C., J. Desanges visualiza a lembrança desse outrora grupo indígena no nome de uma civitas, cuja inscrição (Musula(mios ciu)itatesque ali(as....) (C.I.L. VIII, 20863=9288 apud Desanges 1980: 332) foi encontrada a oeste e a muita distância de seu local de origem, na cidade de Tipasa, no litoral argelino (Desanges 1980: 332). A questão que nos interessa aqui é apreender se temos, de fato, dois grupos com esse mesmo nome ou se temos a comprovação de locomoções ou migrações. Pela sua localização original, os musulâmios são considerados númidas. Além disso, em seu relato da Revolta de Tacfarinas, Tácito (Annales, II, 52; III, 20, 21, 32, 73, 74; IV, 22, 24, 25) refere-se aos musulâmios como númidas. Não podemos, ao menos, argumentar que Tácito utilize esse termo de maneira generalizada, pois ele distingue cuidadosamente os númidas (musulâmios), sob o comando de Tacfarinas; os mouros, sob as ordens de Mazippa; e, por fim, os garamantes. (Camps 1960: 156). O grupo dos sabarbares é mencionado, com esta grafia, exclusivamente por Plínio, o velho. No entanto, um grande número de documentos epigráficos do Alto Império, do século I ao III d.C., atestam a existência de um grande grupo indígena denominado suburbures. A documentação epigráfica, apesar de tardia, é muito interessante. Ela mostra uma ligação entre esse grupo e o dos nicibes (nicives na grafia de Plínio). Marcos de percurso do século I d.C., os chamados marcos miliários (millaria), trazem inscrições onde lemos que os dois grupos dividiam uma mesma região, dentro da área maior de Cirta e seus arredores. Além dessa associação, as inscrições assinalam também que os suburbures eram qualificados de Regiani. Por outro lado, textos epigráficos do final do século II e do século III d.C. são testemunhos da permanência dos suburbures (não mais qualificados como Regiani). No entanto, esse segundo conjunto de documentos (C.I.L. VIII, 8270 (ano 199); C.I.L. VIII, 10335 (ano 215) foi encontrado mais para oeste, em direção à Argélia central, mas ainda dentro dos domínios de Cirta. Em especial, dois marcos miliários demonstram que, na época de Trajano, os suburbures tiveram seu território delimitado (Desanges 1980: 333). Duas interpretações foram formuladas: a primeira considera que houve uma divisão do grupo, os Regiani seriam do leste, e os não Regiani seriam do oeste (Camps 1960: 179); a segunda entende que estamos lidando com um grupo semi-nômade, que praticava a transumância (Desanges 1980: 333).
A informação que os nicives, no Baixo Império, já cristianizados, tiveram seu território fixado ao norte do monte Batna, nas proximidades da Bacia do Hodna (Argélia), sendo que sua área de domínio parece ter alcançado a região, 30 Km. para o nordeste, da atual cidade de N'gaous (Niciuibus na Antigüidade), é um dado a mais a favor da interpretação por um modo de vida semi-nômade desse grupo. Ptolomeu (IV, 3, 6: 639) os localiza ao lado dos nattabutes (os nattabudes de Plínio, o velho,), para o leste da região de Cirta em torno do século II d.C. Ou seja, na direção oposta de sua implantação em época cristã. Lembramos, no entanto, que a inscrição que localiza os nicives na Berberia central é muito posterior às informações apresentadas por Ptolomeu e Plínio, o velho.
Dessa maneira, de maneira análoga aos musulâmios e aos suburbures, podemos entender tanto locomoções, típicas do semi-nomadismo, dentro de uma região circunscrita, como a existência de facções ou clãs diferentes habitando a área de Cirta e a área de Batna, ambas na Berberia central mas distantes c. 200 Km. uma da outra, ou ainda, visualizar uma mudança territorial, para a qual as razões nos escapam. No entanto, só podemos afirmar essa divisão, no caso dos nicives, para um período muito posterior ao estudado aqui.
Seguindo as indicações de Plínio, o velho, para os massilos, que os situa entre esses dois grupos, comprovamos o território desse grupo indígena – região de Cirta e do djebel Fortas – e percebemos que este fazia fronteira com as terras dos suburbures e dos nicives.
Um rio Vamaccura aparece representado em um mosaico de Thamugadi (atual Timgad, Argélia), cidade militar romana, na Berberia central (na face norte dos montes Aurès). Afora esse dado, sabemos apenas que, no século V d.C., existia uma cadeira episcopal na localidade de Bamaccora ou Vamaccorensis (Année épigraphique (AE), 1917-1918, 31, apud Desanges 1980: 338), situada na Numídia. Em vista do pouco que esses documentos, ademais tardios, podem nos oferecer em termos de informação, a única hipótese que se apresenta é a de ligar o território original do grupo indígena dos vamacures à região do rio, próximo à própria Thamugadi. Mas não possuímos qualquer prova material de que tenham existido enquanto tal, isto é, enquanto grupo indígena, nem na época de Plínio, o velho, ou de sua fontes para a África, nem no Baixo Império.
Tácito (Anais II, 52) menciona os cinithi como um "povo de pouca importância" mas, contraditoriamente, dentro da coalisão formada pelos musulâmios de Tacfarinas contra Roma. Já uma inscrição posterior, do final do século II d.C., qualifica-os como natio (C.I.L. VIII, 22729 apud Desanges 1980: 338). O étnico é diversas vezes encontrado, em época romana, enquanto cognome. Os locais de achado das inscrições cobrem a Berberia oriental latitudinalmente, em sua porção meridional: vão de Gightis (atual Bou Ghara, na costa leste da Tunísia), na Sirte Menor, até Theveste (atual Tèbessa, no interior da Argélia). Ptolomeu (IV, 3, 6: 639) os localiza justamente na Sirte Menor, nas proximidades de Thaenae (atual Henchir Thyna), cidade ao norte de Gightis. J. Desanges pretende que esse grupo indígena seja o mesmo mencionado no Bellum Africum (LXII, 1) que assinala a presença de um povo habitando à beira do mar, ao sul da província de Africa Vetus. Os cinithi teriam fornecido, no começo de 46 a.C., remadores e soldados da marinha getulos às tropas do chefe pompeiano P. Attius Varus (1980: 338). No entanto, como vimos pela documentação de época tardia membros desse grupo locomoveram-se para o oeste e para o interior, no que outrora fora o pleno coração númida.
Os musuni são localizados por Plínio, o velho, na parte oriental da província romana da África, isto é, na Berberia oriental. Ptolomeu (IV, 3, 6: 639) situa-os ao sul do território de um outro grupo indígena, os mididi. Temos notícia de uma cidade Mididi (atual Henchir Medded), a sudoeste de Mactar, na Tunísia. Ou seja, em plena área de dominação cartaginesa, na Berberia oriental. Conhecemos, igualmente, uma familia (clã) Medid, cuja inscrição que a menciona foi encontrada na Tunísia, entre Cillium (atual Kasserine) e Thelepte (atual Feriana), na região meridional da Berberia oriental (Cagnat, R.; Merlin, A & Chatelain, L Inscriptions latines d'Afrique (I.L.Afr.), Paris, 1923, n.107, apud Desanges 1980: 341). Uma documentação tardia, do século III d.C., nos dá a comprovação da precisão de Ptolomeu. Essas inscrições comprovam, de Sétimo Severo até Gordiano III, a presença de um grupo musuni Regiani, cujo território se estendia a nordeste da cidade de Thelepte (I.L.Afr. 102 e 103; C.I.L. VIII, 23195 apud idem). J. Desanges (ibidem) acredita que os musuni ganharam o qualificativo Regiani a partir de relações mantidas com os "reis" massilos. Por outro lado, a Tábula de Peutinger (segm. II, 2-3) localiza os musuni para o sudeste de Sitifis (atual Sétif, na Argélia). Isto é, em plena Berberia central, muito afastados da localização de Ptolomeu e das inscrições apresentadas acima. Admitindo que tenha ocorrido um deslocamento ou uma divisão do grupo, temos que essa facção não é mais denominada Regiani (Ptolomeu, IV, 2, 5: 604 – sob a denominação moukonoi apud Desanges 1980: 341). J. Desanges não exclui a persistência, aí expressa, de um modo de vida semi-nômade desde um passado mais remoto. Uma possível rota para essa transumância seria o eixo leste-oeste, ao norte dos montes Aurès.
Por fim, sobre os marchubi temos apenas documentos indiretamente relacionados a eles. Ptolomeu (IV, 2, 5: 604) menciona um grupo indígena, os salassii, e assinala que estes habitavam o território que ficava entre as terras de certos montanheses chamados malcoubioi (em grego), na Berberia ocidental, e o Ampsaga (oued el-Kebir), na fronteira entre a Berberia central e oriental. Associando as duas denominações: marchubi e malchoubii, temos que este grupo indígena habitava a região leste da Kabília, na Argélia. No entanto, vimos que os grupos indígenas de Plínio, entre eles os marchubi, devem ser localizados do Ampsaga para o leste. Isto é, da fronteira oriental da Berberia central até a Berberia oriental. Uma única menção aos salassii de Ptolomeu aparece em uma inscrição tardia (sem datação) encontrada na estrada que leva de Constantina (interior argelino) até El-Milia (próxima a atual Collo, no litoral oriental argelino), portanto, na Berberia central para o leste: esta menciona um prefeito dos salas(....) (C.I.L. VIII, 19923 apud Desanges 1980: 341). A identificação dos salas(....) com os salassii de Ptolomeu não é imediata, mas concordamos com J. Desanges quando ele sugere a possibilidade dos marchubi serem os mesmos montanheses de Ptolomeu (Desanges 1980: 342). Teríamos, então, mais um caso de locomoção ou fracionamento posterior.
Cláudio Ptolomeu menciona ainda outros grupos. Ptolomeu estabelece a sua descrição a partir de faixas paralelas ao litoral. Os kirtêsii, os nabathrae e os iontii são localizados na Numídia, próximos ao mar, até Thabraca (Tabarqa) (Ptolomeu IV, 3, 6: 639). Ou seja, na Berberia oriental, atual Tunísia. Logo abaixo deles, Ptolomeu menciona, em sua segunda faixa, os nattabudes e os musulâmios. Dessa maneira, as informações de Ptolomeu não contradizem os dados que apreendemos com Plínio, o velho.
Em suma, massilos, masesilos, maurúsios, zufônes, asfodélodes, areácidas, micatanos, macões, nababes, maxies, zauéces, gizantes, macurebi, tulensii, nattabudes, capsitani, musulâmios, gubul, suburbures, nicives, vamacures, cinithi, musuni, marchubi, kirtêsii, nabathrae e iontii são declaradamente classificados como númidas (Heródoto, Políbio e Diodoro da Sicília) ou são mencionados como habitantes da região dos númidas (Plínio, o velho, e Ptolomeu). Esta classificação apresenta uma série de problemas de ordem metodológica: abrange uma linha cronológica que vai do século V a.C. até os séculos I-II d.C. e engloba áreas muito distintas e distantes umas das outras. Os comentários de Heródoto são os mais problemáticos, pois os seus númidas são localizados em uma região – fronteira leste da Berberia oriental – que mesmo tendo orbitado na esfera de controle de "reis" como Massinissa, não fez parte efetiva e permanente dos territórios dos "reinos" berberes e, especialmente, não fez parte da área que se generalizou denominar Numídia. Os outros testemunhos, apesar de afastados no tempo, ao serem confrontados com os dados fornecidos pela documentação epigráfica, mantém-se sólidos. A única exceção são os grupos apresentados por Diodoro da Sicília (zufônes, asfodélodes, micatanos e areácidas), dos quais as fontes materiais não deixaram traços.
Todavia, antes de passarmos para a documentação referente aos grupos indígenas da Berberia ocidental, atual Marrocos, apresentamos uma denominação: misiciri, que é interpretada como referente a uma espécie de "confederação" ou super-grupo; isto é, não pertence a um grupo indígena isolado. Os misiciri são especiais porque só os conhecemos a partir de documentação material notadamente líbica, epigráfica. Não há qualquer menção sobre eles nas fontes textuais. Eles são mencionados em três inscrições latinas (C.I.L. VIII, 5211, 5217 e 5218 apud Camps 1960: 248) e 62 inscrições líbicas, encontradas na região florestal de La Cheffia e de Munier, entre a Argélia e a Tunísia. A grafia latina é misiciri, já a líbica é MSKRH. Todas as 62 inscrições líbicas foram encontradas na região de La Cheffia, e, mais especialmente, nas proximidades de Munier, na fronteira com a Tunísia. Assim, a "confederação" (assim denominada em razão da quantidade de inscrições encontradas – incluindo cinco sub-títulos – e da extensão territorial que os locais de achado cobrem) ocupava as terras montanhosas e florestais argelinas limitadas pelo oued Medjerda, ao sul; pelo oued el-Kebir e pelo vale do oued Namoussa, a oeste; pela planície do Tarf, ao norte; e pela região de Fernana, já na fronteira tunisiana, a leste. O interessante desse material primário e autóctone são os sub-títulos que aparecem juntamente ao nome misiciri, os quais correspondem a menções a cinco grupos menores (clãs/famílias?), que formavam o super-grupo misiciri. Com relação a esses grupos ou clãs possuímos apenas a denominação líbica: NBIBH; ÇRMMH; NNDRMH; NSFH; NFZIH. Uma hipótese lingüística relaciona o N inicial de todos esses nomes à preposição "de". Assim, teríamos uma partícula indicadora de proveniência ou origem (Camps 1960: 250).
A seguir, apresentamos os grupos indígenas que entendemos formaram, ou estiveram em contato, com o super-grupo dos mouros. Nossas principais fontes são, novamente, Ptolomeu e Plínio, o velho.
Mouros
Hecateu de Mileto, no século VI a.C., mostra-nos que o mundo grego já conhecia os confins ocidentais do Mediterrâneo, já que este autor menciona alguns nomes de cidades nessa região (Roget 1924: 11). O Périplo de Hannon, situado cronologicamente a seguir – século V a.C., é, infelizmente, por demais problemático para podermos fazer uso seguro das informações que oferece. Políbio teria escrito um relato de sua viagem pelas costas ocidentais da África, relato este que se perdeu. Vimos que Plínio, o velho, usa parte dessas informações em sua descrição do ocidente africano. Cláudio Ptolomeu, por outro lado, tanto em relação a estes como a outros autores que escreveram sobre essa região em particular (Estrabão, livro XVII, 3; Pompônio Mela; Alexandre Polihistor; e outros, de época tardia), é a fonte mais antiga (c. 140 d.C.) que fornece dados concretos, em ampla quantidade, sobre as terras do atual Marrocos.
Cláudio Ptolomeu (IV, 1, 5: 585) apresenta uma longa lista de grupos indígenas da Berberia ocidental. É o primeiro autor a fazê-lo explicitamente. A. Jodin (1987, 215) crê que o "reino" mouro na época pré-claudiana era formado organicamente por uma dúzia de nationes, uniões de gentes, posteriormente localizadas por Ptolomeu nos limites precisos da província da Tingitânia. O autor alexandrino descreve os grupos indígenas seguindo uma linha noroeste/sudeste: partindo da cidade berbere de Tingis (atual Tanger), no Estreito, para então terminar seu elenco na região nordeste da Berberia ocidental:
"As regiões desta província, do lado do Estreito, são habitadas pelos metagônitas; as regiões do Mar Ibérico, pelos socossii; e, sobre eles, pelos verves; abaixo da região dos metagônitas, nós encontramos os mázaces, depois os verbicae; abaixo, os salinsae e os canni ; depois os bacuatae e, em seguida, os macanites; sob os verves, os volubiliani; em seguida, os iangaucani e, em baixo, os nectiberes; em seguida, os pirron pedion, com a posição 9º 30', 30º. Abaixo, encontramos os zegrensii, depois os baniubae e os vacuatae. O norte oriental é ocupado, por inteiro, pelos maurensii, e uma parte pelos herpeditani." (tradução de R. Roget 1924: 37-38).
Os socossii e os verves são localizados na região do Mar Ibérico de Ptolomeu, que equivale ao Mediterrâneo no extremo oeste (Jodin 1987: 26). O arqueólogo A. Jodin (1987: 27), no entanto, acredita que o nome verves pode ser reencontrado na denominação do atual oued Ouerrha, na região norte do Marrocos. Ali ocupavam as terras do vale. Abaixo dos verves habitavam os volubiliani, grupo que, dessa maneira, aparece pela primeira vez nos textos, como a maior parte dos outros étnicos. Com relação aos volubiliani, há a possibilidade de esse grupo indígena do sudoeste da Berberia ocidental ter derivado o seu nome da cidade berbere, do século III a.C., de Volubilis (Jodin 1987: 28). No entanto, ainda hoje não sabemos se os volubiliani desenvolveram algum tipo de relacionamento com a cidade ou se apenas compartilharam uma mesma área, isto é, foram vizinhos de Volubilis.
O Itinerário de Antonino (Tingitânia, 3: "Rota de Tocolosida – 4 Km. e 1/2 ao sul de Volubilis" – Roget, 1924: 40), do século III d.C., avalia como sendo de 16 mil passos a distância separando Volubilis da cidade romana mais próxima, Aquae Dacicae, sendo que apenas 3 mil passos a separava de Tocolosida, isto é., 28 Km. A. Jodin (1987: 30) afirma, então, que esta distância correspondia, mais ou menos, à extensão do território, ou seja, do subúrbio que compunha a região de Volubilis, aos pés do maciço de Zerhoun. Assim, esse autor supõe que essa área, acrescida das colinas dos arredores, representava a região onde os volubiliani circulavam.
Os vizinhos mais próximos dos volubiliani seriam um grupo indígena não citado por Ptolomeu. Alexandre Polihistor diz: "Gilda, cidade da Líbia. Nome do povo: gilditas" (Roget 1924: 21). A cidade de Gilda é citada, no Itinerário de Antonino, dentro da rota de Tocolosida Gilda, capital dos gilditas, é situada perto de Sidi Slimane a menos de 50 Km. da área noroeste de Volubilis, na beira do oued Beth. O distrito de Cherarda coincidiria, atualmente, com o seu território.
Seguindo a descrição de Ptolomeu, após os volubiliani encontramos os iangaucani, e ainda mais para o sul, os nectiberes. Os grupos dos pirron pedion, dos zegrensii, dos baniubae e dos vacuatae habitam as terras a sudeste dos nectiberes.
Os zegrensii são mencionados também sob a forma zegrensi na Tabula Banasitana. No entanto, A. Jodin (1987: 27) pensa que eles possam ser localizados na planície do Rharb (região centro-ocidental da Berberia ocidental, atual Marrocos), na margem direita do oued Sebou e a noroeste de Banasa (Sidi Ali bou Djenoun), cidade berbere datada do, ao menos, século III a.C. O arqueólogo de Volubilis acredita que o local de origem dos zegrensii não deva ser procurado para além das montanhas do Rif, o que significaria os colocar do lado de fora da região que forma, na época dos Flávios, a província romana da Tingitânia.
Já na região noroeste da Berberia ocidental, que compreende o atual Estreito de Gibraltar, Ptolomeu cita, primeiramente, os metagônitas. Após o que, o geógrafo localiza os: mázaces, os verbicae, os salinsae, os canni, os bacates e os macanites. Os herpeditani são os únicos que compartilham a região nordeste da Berberia ocidental (da Tingitânia, para Ptolomeu) com os mouros (maurensii).
Sobre estes grupos é J. Carcopino que oferece a melhor interpretação, por isso seguimos as datações que este estudioso sugere, bem como acompanhamos seus principais argumentos. Segundo ele, os bacates e os macanites são também relatados em uma glosa do Itinerário de Antonino, datada do século IV d.C. J. Carcopino a traduz da seguinte maneira: "A partir de Tingis, a Mauritânia, isto é, a região onde habitam os bárbaros, os bacates e os macanites" (1943: 260). Assim, Carcopino, fundamentandose nesse itinerário, assinala a localização desses dois grupos, não nas montanhas do norte do Marrocos (cf. Ptolomeu), e sim no centro da Berberia ocidental.
Durante o Império foram confeccionados catálogos dos grupos indígenas espalhados pelos territórios romanos. O mais antigo que conhecemos é a lista de Verona, datada de 297 d.C. (Carcopino 1943: 260). Ela enumera, na Mauritânia os: mauri gensani (mouros quinquegentiani); mauri mazazeces (mouros mázaces); mauri bavares (mouros bavares) e mauri bacautes (mouros bacates). Outro catálogo, posterior, acrescenta à lista os massenas (macanites) e os mazicei (mázeces) (Carcopino 1943: 261). Desse modo, J. Carcopino pensa que o segundo redator do Itinerário de Antonino (que incluiu a glosa mencionada acima), de posse dessas informações, que ademais não trazem uma localização precisa dos grupos, limitou-se a incluílos enquanto habitantes da Mauritânia.
Todavia, na passagem onde Ptolomeu cita os marchubi, o geógrafo também assinala os mázeces. Assim, J. Carcopino sugere que este último deva ser localizado na região da Kabília (Argélia), mais exatamente nas proximidades do rio Chélif (antigo Cinalaph) (Ptolomeu IV, 2, 5: 604). De qualquer forma, de uma região mais a leste vem uma inscrição de época tardia atestando uma ilhota de mázeces (C.I.L. 2786 apud Carcopino 1943: 261). No século IV d.C., eles são mencionados combatendo contra os romanos (Amiano Marcelino XXIX, 5, 25).
Os macanites também são citados em uma passagem de Dião Cássio (LXXV, 13, 3) que relaciona, erroneamente e seguindo uma indicação de Juba II, a nascente do Nilo com o sopé do Grande Atlas. De qualquer forma, essa região é identificada como sendo as terras dos macanites. Relegando a segundo plano a questão do Nilo, podemos incorporar as três informações sobre os macanites que acabamos de citar (Ptolomeu – IV, 2, 5-; catálogo imperial; Dião Cássio) e concluir que, estando eles para o sudeste dos bacates, os macanites deviam, realmente, habitar as terras próximas às montanhas do Grande Atlas marroquino. Os bacates ficam localizados, pois, no Médio Atlas (Carcopino 1943: 262). De fato, possuímos seis inscrições, a mais antiga da primeira metade do século II d.C., encontradas em Volubilis (cinco) e em Cartennae (atual Ténès), que assinalam a presença dos bacates nas terras centrais da Berberia ocidental.
Plínio (V, 17) menciona alguns grupos dos getulos na Tingitânia, em constante locomoção, e depois as gentes selatitos e masathos. A. Jodin acredita ser possível que a gens selatitos dependesse do rio Sala (oued Bou Regreg), e a masathos do rio Massat, no sul da Berberia ocidental (Jodin 1987: 27). De fato, o próprio Plínio, o velho, menciona o flumen Masath com relação aos masathi. J. Desanges relaciona esse rio com o Massa de Ptolomeu (IV, 6, 2: 731) (1980: 114). Uma inscrição encontrada em Rapidum (Sour Djouab) menciona um prefeito romano, que no século III d.C., comandava uma gens Masat..... De qualquer forma, os masathi estariam situados às margens do rio Massat. Já os selatiti não são mencionados em nenhum outro documento.
Dessa maneira, nossas fontes acerca dos grupos indígenas habitando a região ocidental da Berberia se esgotam. Plínio, o velho, reporta, como mencionado, alguns grupos getulos transitando pela Tingitânia, inclusive tomando o lugar de grupos indígenas locais. No entanto, o mesmo Plínio, afora os selatiti e os masathi, assinala, enquanto habitantes originais dessa região, apenas os mouros (os maurensii de Ptolomeu). Vimos que não foi assim, apesar da maioria dos nomes apresentados por Ptolomeu permanecer obscura para nós.
Getulos
Junto aos númidas e aos mouros, os getulos formam o último dos super-grupos ou "confederações" que habitaram a Berberia na Antigüidade, a partir dos dados fornecidos pelas fontes textuais. Desse modo, o termo "getulo" faz referência a um conjunto de grupos indígenas, isto é, uma espécie de "confederação". Plínio, o velho, (XIII, 91) afirma que quando os "reis" mouros pretenderam estender sua autoridade até os getulos, as terras destes tinham por limite sul as regiões habitadas pelos etíopes, ou seja, para além do Alto Atlas. Na verdade, os getulos habitavam uma zona muito ampla: ao sul da área onde viviam os mouros, os masesilos, os massilos, os súditos de Cartago e os de Roma, e ao norte do início do Saara – ocupado, por sua vez, pelos etíopes (Estrabão, II, 5, 33; XVII, 3, 2), isto é, a área que como veremos engloba toda a região meridional da Berberia. Plínio, o velho, (V, 43) situa a existência de desertos entre a área de ocupação dos getulos e dos povos mais meridionais ainda (libyes aegyptii e leucoe aethiopes). O nome getulos (gaitouloi ou gaetuli) começa a ser empregado a partir do final do século II a.C. para designar indígenas que se confundem com o grupo de povos chamado númida e não submetidos diretamente à Cartago (Gsell 1927, vol.V: 115). De maneira análoga ao que foi visto com relação aos dois outros super-grupos (mouros e númidas), acredita-se que o nome "getulos" pertencesse a um grupo indígena específico primeiramente, para em seguida aglutinar diversos outros (Estrabão, XVII, 3, 2). Eles nunca formaram um "estado", nas palavras de St. Gsell (idem:109), que conclui que o termo Gaetulia (Getúlia) era uma denominação geográfica reunindo um grupo de planícies e outro de montanhas, bordeando o deserto. Os limites meridionais desta zona separavam os brancos dos negros. Os getulos eram, então, os povos brancos que se mantiveram ao largo dos "reinos" dos masesilos, massilos e mouros (ibidem:110).
A hipótese do significado da denominação "getulos" conter a definição de seu estilo de vida, baseado no nomadismo, é abraçada por diversos autores. Assim, A. Jodin (1987: 26) afirma que o povo dos getulos se distinguia dos mouros e dos númidas por terem um modo de vida mais rústico, causado pelo seu afastamento geográfico do Mediterrâneo e por sua proximidade com as regiões desérticas. Salústio (Jugurthinum, XIX) distingue dois grupos entre eles: "os getulos que vivem, uns em choças, e outros, mais bárbaros, nômades...".
A contraposição encontramos nas análises de E. W. B. Fentress, que discorda fortemente dessa concepção. Esta autora chama a atenção para o fato do relato da Guerra da África (Bellum Africum) falar sobre duas praças-fortes getulas (duo oppida Gaetulorum) (XXV, 2). Estrabão (17, 3, 9) também menciona as habitações espalhadas pelo território dos getulos (Fentress 1982: 330, nota 13). Apesar de não negar que o pastoralismo fizesse parte da economia dos grupos getulos, ela afirma que o mesmo ocorreu para os grupos númidas. Assim, baseando-se nos argumentos fornecidos pelas fontes textuais, E. Fentress sustenta a teoria de que os getulos formavam algum tipo de confederação na qual certos grupos indígenas, cidades e áreas estavam ligados (idem: 331). De fato, essa é a interpretação que melhor se sustenta. Pompônio Mela refere-se aos getulos enquanto uma natio frequens multiplexque (1, 23) e, em uma inscrição do século I d.C., encontramos um praefectus...nation(um) Gaetulicar(um) sex quae sunt in Numidia (C.I.L. 5.5267 apud ibidem).
Plínio, o velho, (V, 17 e 10) menciona alguns dos grupos indígenas que faziam parte da denominação maior getulos. São eles: os baniurae ou baniubae, os autólolas, os darae e os nesimi. Todos esses são situados, de maneira geral, na área meridional da Berberia ocidental e central.
Discute-se ainda qual a localização geográfica precisa dos baniurae. Um grafite circular em um fragmento de cerâmica, gravado com o nome "baniurai" e encontrado no sítio arqueológico de Banasa, atesta a presença deste grupo na região central da Berberia ocidental. R. Rebuffat, autor da publicação do grafite, propõe localizar os baniurae no Vale do rio Sebou, na direção de Banasa. Já M. Euzennat os localiza no Alto-Rharb, no Vale do oued Ouerrha, mais ao sul (Desanges 1980: 146). Pendemos para a suposição de locomoções próprias do semi-nomadismo.
J. Desanges propõe que os autólolas fossem getulos, isto é, eram um dos povos que formavam os getulos (1980: 113). Ainda segundo Desanges, os autólolas habitariam a região localizada entre Sala (no litoral do Atlântico, abaixo da linha de Volubilis) e Essaouira (antiga Mogador) (Plínio, o velho, V, 9 e VI, 201). Na opinião de J. Carcopino essas indicações, às quais devemos acrescentar a que os leva mais ao sul ainda, em direção aos etíopes (Plínio, o velho, V, 17) demonstram que esse grupo estava se desintegrando, se fracionando. Quando Ptolomeu escreve sua Geografia ele os situa no litoral atlântico, na extremidade sul da Getúlia, entre Cernè (no Rio Oro) e as ilhas Canárias (IV, 6, 6: 734). A partir de Ptolomeu em diante, os autólolas só são mencionados enquanto reminiscência de um passado extinto (Carcopino 1943: 260).
Os darae são apenas brevemente mencionados por Plínio, o velho, (V, 10). Eles habitariam a região em seguida a dos autólolas: no curso médio do oued Dra (antigo Darat), localizado na região sudeste da Berberia ocidental, ou seja, distante das terras mouras mencionadas acima.
Por último, temos os nesimi, que são considerados uma facção dissidente dos autólolas por J. Desanges e estão localizados ainda mais ao sul da Berberia ocidental (Desanges 1980: 147). Acreditamos que outros grupos fizessem parte dos getulos e que dados referentes a eles possam estar misturados a outras menções genéricas, como é o caso provável dos cinithi, que J. Desanges relaciona com os getulos do relato Bellum Africum (LXII, 1).
Líbios
Para além dos diversos nomes individuais dos grupos indígenas, Heródoto é um dos primeiros a apresentar ao mundo grego um étnico que incluiria todas essas populações. Trata-se do termo "líbio". Há muito tempo aceita-se que este nome seja originariamente africano, e que foi empregado pela primeira vez pelos egípcios, já no IIº milênio, para designar os povos que habitavam a região a oeste do Nilo.
O. Bates, autor que compilou, em seu livro The Eastern Libians, todos os grupos indígenas orientais do Norte da África mencionados nas fontes escritas egípcias, criou um quadro onde relaciona os povos e grupos indígenas hamíticos, vizinhos do Egito (Camps 1960: 24). Bates inclui entre os muitos grupos que elenca, o grupo rebu/lebu (idem).
Os rebu (R'bw) localizavam-se no norte e agrupavam um certo número de grupos indígenas (entre elas os imukehek, os kehek e os esbet). Esta localização dos rebu no Norte da África dura até o período clássico e os gregos – com certeza os de Cirene – acabaram por estender esta denominação a todas as populações hamíticas do Norte da África (Camps 1960: 25). O nome Leptis, que se escreve em púnico LBKY, teria a mesma raiz do nome do povo.
Entretanto, é possível encontrar ainda uma definição mais restrita para o termo "líbio". Diodoro da Sicília, Políbio e Apiano (idem: notas 5 e 6) chamam libyes aqueles que para os romanos eram os afri, isto é, os indígenas do território submetido à Cartago, em contraponto aos nomades, que viviam para além desta área. Este território cartaginês, ou ao menos o que restou dele após as usurpações de Massinissa, foi anexado pelos romanos após 146 a.C., e a nova província, a Africa, foi denominada pelos gregos de Libye (Gsell 1928, Vol. VII: 1).
Todavia, para além dessa diferenciação entre nômades e líbios/afri possuímos documentos que mencionam categorias específicas derivadas do termo líbio. Existe, no relato dos próprios autores antigos (Diodoro da Sicília XX, 55, 4) uma diferenciação entre líbios e uma nova categoria, os libifenícios. Os primeiros corresponderiam à grande massa de indígenas e se confundiriam com os númidas, habitantes da maior parte da Líbia. Já os segundos, que possuíam muitas cidades costeiras, codividiam com os cartagineses direitos de epigamia e eram assim chamados pela sua relação de parentesco com os últimos, devem ser entendidos de maneira análoga a categorias semelhantes, como as dos iberofenícios. Após o fim de Cartago, o termo libifenício ganha um sentido geográfico-étnico, passando a identificar as pessoas de origem semítica que viviam no território que, anteriormente, havia sido controlado por Cartago (Gsell, 1918, vol.II: 94, notas 4 a 7).
É comum encontrarmos, entre os pesquisadores, uma outra interpretação que relaciona os libifenícios às pessoas de sangue misto: indígena e fenício (Bondì 1972: 654). Ou então, há quem identifique as cidades onde habitavam os libifenícios como recebendo privilégios jurídicos – em relação às cidades indígenas – e não um grupo determinado de pessoas (idem: 655).
No entanto S. Bondì (1972: 656) foi buscar nas palavras do próprio Diodoro da Sicília as pistas para o entendimento do termo. Libifenício é usado pelo historiador grego duas vezes, na passagem citada acima (XX, 55, 4) e quando ele descreve a delegação enviada por Cartago a Alexandre, o Grande, composta por cartagineses e libifenícios (XVII, 113, 2). Em ambos os casos Diodoro deixa claro dois pontos: eles habitavam a costa e gozavam de direitos semelhantes aos cartagineses.
Fazendo uma análise crítica dessas passagens, S. Bondì afirma que a documentação epigráfica que possuímos, e que nos informa acerca da existência, nas cidades da Berberia, de instituições jurídicas análogas às de Cartago, não nos permite estabelecer fronteiras espaciais entre litoral e interior. Assim, não fica evidente que apenas os centros da costa gozassem de privilégios particulares, como poderíamos ser tentados a depreender pelo fato de Diodoro situar libifenícios apenas na costa. Dessa argumentação o arqueólogo retira a seguinte conclusão: os libifenícios não se diferenciavam dos outros líbios por possuírem uma situação jurídica especial ligada ao seu território. A distinção não era feita em razão de uma distribuição geográfica (Bondì, 1972: 658). Contudo, Diodoro sabia que alguns habitantes da Berberia, fora de Cartago, possuíam direitos particulares, talvez análogos aos dos habitantes da capital africana. Dessa maneira, S. Bondì, seguindo a hipótese inicial de St. Gsell, propõe que essa distinção jurídica diga respeito a certos indivíduos e não ao espaço geográfico por eles ocupado. Quando Diodoro (XIII, 80, 3) menciona os povos que lutaram na Guerra dos Mercenários por Cartago ele cita númidas, líbios, etc., mas não libifenícios. Assim, esses últimos não seriam um terceiro ethnos, um terceiro povo, e sim uma categoria de pessoas, uma ordem: os libifenícios são os fenícios que habitavam fora de Cartago. Eles possuíam plenos direitos, que se contrapunham aos dos líbios, autóctones.
Uma denominação própria?
Na Antigüidade, o nome amazigh (tamazight, no feminino, e imazighen, no plural), o qual é, aparentemente, utilizado pelos próprios berberes como designação étnica de seus grupos indígenas, surge, em inscrições líbicas, na forma MSK; em inscrições romanas nas formas mazic, masik, mazix e mazica (feminino com uma desinência latina) (Gsell 1927, vol.V: 116; Camps 1960: 27). Este nome foi usado também no começo da era cristã para denomina diversos grupos indígenas. É um étnico largamente difundido por todos os países berberes e é usado no topônimo. Trata-se da raiz MZG ou MZK que aparece também nos nomes mázaces (de época romana), maxies (em Heródoto), mazyces (em Hecateu), maxitani (em Justino), meshwesh (nas inscrições egípcias). Os imusagh, do oeste do Fezzan, os imagighen, do Aïr, os imazighen, do Aurés, do Rif e do Alto Atlas, entre outros, conservam este nome. O tamaseght (=tamachek) é a língua dos touareg, que chamam a si mesmos de imouchar. O uso indiscriminado, nos textos antigos, do nome mazices para povos diferentes, nômades, montanheses, etc, em períodos diversos e habitando regiões distantes umas das outras, parece mostrar que este seria o único nome indígena de aceitação geral. Durante o Baixo-Império as menções aos mázaces continuam e são razoavelmente abundantes. Justino (XVIII, 6, 1), ao narrar a lenda da fundação de Cartago por Dido/Elissa, assinala que o rei da região onde a princesa iria fundar sua cidade tinha por súditos maxitani.
Os próprios habitantes autóctones se autodenominavam madic ou mazic. O termo tem sido traduzido pelos estudiosos como "nobre" ou "livre". Quinze séculos mais tarde, Ibn Khaldoun escreve que uma parte dos berberes, os Botr, tinham como ancestrais os madghis, enquanto, outros, os Beranès, descendiam dos mazigh, filhos de Cannaã (Camps 1960: 29).
Conclusão
O grupo indígena é entendido como a formação social básica a compor o tecido humano autóctone da Berberia. A partir das informações contidas nos textos de autores gregos e latinos, e dos dados fornecidos pela documentação epigráfica, percebemos que esses grupos podem ser caracterizados também quanto a sua forma de vida: nômade, semi-nômade e sedentária. O que ficou claro, no entanto, é a justaposição desses modos de vida dentro de uma mesma área, e a sobreposição dos grupos, sub-grupos, clãs, etc. dentro de um mesmo conjunto que a historiografia moderna tem denominado de "confederações" ou super-grupos.
É interessante notar que o primeiro grupo indígena apresentado por Heródoto como sedentário é o dos maxies. Vimos que essa construção, que se confunde com os próprios maxlies semi-nômades, aparece nas fontes líbicas sob a forma MZG ou MZK. A provável denominação própria berbere estaria presente no nome amazigh, imagighen e imazighen (atuais) e em diversas transcrições gregas, latinas e também egípcias (meshwesh). A raiz MZK/MZG é, com certeza, muito forte culturalmente.
Entretanto, percebemos que pensar nesses nomes todos em termos de grupos indígenas autônomos é precipitado. Das dezenas de inscrições líbicas que mencionam cinco grupos isolados ou clãs pertencentes ao super-grupo misiciri, apenas uma é bilíngüe (latina-líbica). Pois esta, justamente, utiliza uma mesma transliteração latina, no caso misiciri, para traduzir os dois líbicos (o da "confederação" ou super-grupo dos misiciri: MSKRH, e o do clã/família ou grupo ÇRMMH). Ficamos, então, cautelosos quanto a considerar todos os outros nomes apresentados pelas fontes latinas e gregas enquanto grupos indígenas por inteiro. Acreditamos ser possível que parte destes representassem, dentro da estrutura social interna, uma outra categoria hierárquica, talvez um clã ou família.
Desse modo, temos um grande conjunto de denominações gregas, líbicas, latinas, egípcias e cartaginesas. Algumas sobrepondo-se; outras sendo exemplos únicos. Estas denominações referem-se tanto a aglomerados de grupos indígenas ("confederações"), como a grupos individuais e suas possíveis divisões hierárquicas.
As bases informativas de qualquer estudo sobre o Norte da África na Antigüidade foram aqui apresentadas. Ainda resta por debater as relações sociais e econômicas destes grupos entre si e frente aos estrangeiros. As fontes textuais permanecem enquanto documentos pertinentes, mas acreditamos que somente com o avanço das pesquisas arqueológicas e etno-arqueológicas poderemos efetivamente formular hipóteses de trabalho mais conclusivas.
<--1ª Parte
.:: Maria Cristina N. Kormikiari
www.revistasusp.sibi.usp.br
A verdadeira face de Sêneca
Há 13 anos
por que vcs nao fisseram um textooo mior ainda ^_^ Mais até que estava um texto bem elaborado parabens -_- parabens mesmo *_*
ResponderExcluirfaz um texto que esta bem resumido tenta escrever nao com palavras com imagens nao precisa fazer tudo isso mas ate que esta bom
ResponderExcluirmuito bom, minha professora q mandou a gente ler
ResponderExcluirResumir é bom, mas perde todo o carater da pesquisa que nosso colega fez. Escreve-se muito, por que muito tem-se a contar, da história que nos foi apagada! Valew Prof.
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